Continuitas.

No velho caminho que passa polo Zebreiro, hoje caminho de Santiago, existem duas localidades de nome controverso, Lagúa, e Laguna....


Leũa de Tablas na esquina superior esquerda, e Leũa de Castilla na esquina inferior direita.

Numa direção e na outra saindo do Zebreiro estão duas aldeias com o mesmo nome.
Para o lado Leste: "La Laguna" (de Castilha), primeira aldeia na descida para o ValCarce.
E para o oeste: a Lagua (de Tablas).
Entre a Laguna e a Lagúa há uma légua.
Como pode ser esta coincidência?

Os falantes da zona referem-se a estas "La Laguna" (1) e Lagua, com uma pronúncia algo difícil de grafar com letras, pronúncia que varia de umas aldeias a outras:
Lagua,  Legua.
Com vogal nasal: Lagũa, Legũa, Leũa, Laũa.
Também dizer que por vezes e segundo falantes, há o fenómeno da gheada.
Nesta palavra, a gheada mais que uma mudança do som /le.'gu.a/ em /le.'hu.a/, é um fenômeno fônico na realização da vogal nasal /ũ/, que dependendo do grau de intensidade e efectividade da nasalação o /ũ/ é realizado em /ɣu/, /hu/, e mesmo /gu/.
O que leva a pensar que /le.'gu.a/ também é filha da nasal Leũa.
Leũa, penso é a forma originária e primitiva, e pola interferência do galego fonológico padrão da tv, nos últimos vinte anos, e pola grande interferência do castelhano, esta forma Leũa, está em "evolução".
A realização fonética de llegua, (légua) em catalão pode interessar aqui:
'ʎe.ɣwə
'ʎe.ɣwa
'ʎe.wa
'ʎew.ɣə
'ʎe.ɣo
'ʎe.ɣu.

Bem, então como é que entre uma Leũa e outra, há uma légua?
Como passar de le-gú-a a lé-gu-a?
Que ocorreu para o câmbio de tonicidade?

Os fitos, marcos, na Galiza medieval e na atual, estavam e estão indicados às vezes por mámoas, que as mámoas marcam territórios.
(Mámoa é mais frequente na Galiza, enquanto em português padrão é mamoa).
Em textos medievais de deslindes, escritos em latim, referem-se a estes marcos como "lacunas" e "lacos", o que levou a pensar que esse nome de lacuna era a denominação duma mámoa violada, cavada no seu alto.
Ficando nos lugares covas, crateras sobre o túmulo de terra.
Nos textos medievais referem-se a eles como "lacos anticos et mamolas".
Há a possibilidade de que lacos e mamolas, sejam cousas diferentes?
Mas a denominação de algumas mámoas, ou o que fica delas, dólmens ou arcas, em  topônimos com o nome de Lago ou Lagoa, não ajuda a dizer que mamolas et lacos anticos sejam nomes diferentes para cousas diferentes.
Mámoa da Lagoa em (Caamaño, Porto d'Oçom).
A Medoña da Lagoa, (Burgás, Germade).....
E tantas lagoas que som mámoas:
As Lagoas, (Vedra).
Cham das Lagoas (Olveira, Dumbria)......

Uma lenda recolhida por Calros Solla, sobre o home da leghua, pode esclarecer algo mais todo isto:

..... A lenda recollina, entre outras, na aldea de Ratel, atravesada pola liña fronteiriza imaxinaria dos concellos de Forcarei e Beariz e, xa que logo, das provincias de Pontevedra e Ourense. A raia divide á metade unha vivenda, que en tempos foi moradía dun home que, cando se deitaba na cama, deixaba os pés en Pontevedra e a cabeza en Ourense: o home da leghua.

Parando um pouco:
Temos um caminho de peregrinação anterga, com lacunas, e com  mámoas, que estavam dispostas a uma légua umas das outras.
As mámoas recebem, ou vão acompanhadas do nome toponímico de Lagoas, e de Leguas(2) em diferentes lugares da geografia galaica.
Então: muitos dos topônimos que há como lagoas ou leguas derivam da palavra fonológica viva de leũa.
Leũas, em lugares onde não há lago nenhum, e si em gândaras, lugares elevados.
Desde uma visão latinista, lagoa, (legua), poderiam derivar de laco, lacuna, mas desde outro olhar, lacuna mais semelha uma latinização de leũa.
Aqui estamos a falar que são mámoas. Teriam o nome prévio de leũas antes de estarem violadas?
Noutros lugares as vias iam de meta a meta, de medorra a medorra, o δρόμος de μήτηρ a μήτηρ.

O lacus, a lacoa seria o rego, a cova de marco a marco?

Muitos dos topônimos de Lagoa, Legua, correspondem a lugares elevados, a cumes de montes.
Também dizer aqui, como eram até há bem pouco os caminhos que cruzavam as serras, quando se andava com carros de bois e de vacas, os caminhos para lugares longe, na ideia natural de poupar energias, corriam polos cordais, polas zonas elevadas, pois assim tinham que dar menos voltas.
E  não por casualidade, esses velhos caminhos de carros passavam, passam ao pé das mámoas.

Continuitas...
A história publicitada fala-nos dos grandes caminhos que Roma na antiguidade fez, fijo.
Roma media as distâncias em mil passos, mille passus, e marcava-as com um miliário, um marco.
Quando Roma entra na Gália, começa a aparecer uma nova medida, a leuca ou leuga.Segundo a etimologia, a leuca latina procede de uma palavra celto-latina, ou céltica.
Segundo a etimologia francesa, de uma hipotética palavra gaulesa nasceu a palavra leuca, e posteriormente do latim foi gerada a palavra francesa "lieue", pronunciada na atualidade como /ljø/.
No escrito já se comentou como em catalão llegua e diz 'ʎewɣə.
Toda esta informação como se estrutura?
Uma palavra antiga, céltica, provavelmente, servia para indicar as distâncias nos caminhos, antes da "chegada", ou melhor dito invasão, infiltração, pacto, ou compadreo que os povos tiveram com Roma.
Roma não tirou abaixo as leũas,  não eram marcos, nem menires, eram estruturas que não permitiram a mudança, e Roma teve que admitir, e medir na medida céltica, e caminhar os caminhos celtas já traçados.
Absurdo seria contar os caminhos uns em millia e outros em leuca.


http://www.marcel.ca/0/pelerinage.asp

Vou por, então, as palavra relevantes juntas:
Leũas, aldeias do Zebreiro
Lieue, légua em francês.
Leuga, leuca, légua em latim.
Leuga, mirandês.
'ʎew.ɣə, como se di no Empordá a légua (catalão oficial: llegua).
Léice, léaga, leuc, léguas irlandesas.
Lev, légua em Bretão.
Lleugua, forma do asturiano académico llegua.
Parece ser que há um mundo largo que mede, media em léguas.
Medida velha que, mais que de espaço em distância, pudo ser de espaço-tempo?

Há no galego palavras próximas que falam disto e que nos ajudam a ir na ideia:
Onde o legoeiro, lagoeiro, legüeiro, cuidava e cuida do caminho, da su marcação com legoárias, e com o seu instrumento o lagão, legão ou ligão tapava as lacunas, ou buracos.

Tudo isto é o que aflora:
Um caminho mui antigo, marcado com túmulos.
Uma cultura que enterrava às suas gentes em túmulos, nos caminhos, caminhos que seguiam a rota para o fim da Terra, para o por-do-Sol.
Caminhos que acabavam em Dumbria, a terra das "ðumb(r)as" (3).


Esta relaçao entre as tumbas e as léguas está no idioma galês, onde a palavra llech conserva a gênese e deriva de significados: laje, laje de tumba, esconderijo, corcunda, légua.





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1) Dizer que "La Laguna" é uma adaptação da palavra galega, pois a aldeia pertence à comunidade autônoma de Leão, e Leão tem alguns tomônimos espanholizados na sua zona culturalmente galega.

2) Eligio Rivas Quintas (1978): Frampas, contribución al diccionario gallego, CEME, Salamanca
Legoa:
Tierra que el arado echa a los lados del surco; el surco mismo.

3) Há uma hipótese que relaciona o lexema dumb-, com as tumbas, neste link:
http://remoido.blogspot.com.es/2013/01/a-tumbos-por-dombodam.html

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