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Cerdeira

Cerdeira, revela um outro paradigma na esculca etimológica?


Nas línguas célticas o nome da tramazeira, carnabúdio, cancereijo é:
Bretão: kerzhin, antigo caerdin.
Cónico: kerdhin.
Galês: cerddin.
Irlandês: caorthann.
Gaélico escocês: craob-chaorainn.

Desde o gaélico escocês o nome da tramazeira, craob-chaorainn, está formado por por craobh "árvore" e chaorainn que é uma derivação de caor "baga vermelha, nome das cerejas da tramazeira" (cerejas da tramazeira que no oriente da Galiza recebem o nome de cereijas de cão).
No gaélico antigo este caor era grafado cáer a dar nome entre outras cousas às bagas encarnadas.

Então poderia ser percebido que nas línguas célticas há um primeiro elemento caor-/caer-/cer-/ker- que dá nome a fruta, e um segundo elemento que o sufixaria: -zh(in)/-dh(in)/-d(in)/-thann
Ou o lexema raiz é já caerd-/kerd-/caorth-?
Por exemplo no galês ceri / cerien significa "sorbeira (Sorbus domestica); escaramujos da roseira-brava ou silvo-macho, nespereira-europeia (Mespilus germanica)".

Ceri, nome galês da nespereira-europeia

Ceri, nome galês dos escaramujos do silvo-macho. Em aragonês carrón

Então poderia ser criada a hipótese de um lexema proto-céltico *kaer / *kaert-, que daria nome a bagas avermelhadas, e alargadamente a frutas.

Assim a palavra careixão / careijão "morango silvestre" teria uma raiz etimológica comum com o céltico cáer.

Careixão, morango silvestre, nome que lhe é dado sobretudo na parte norte, noroeste da Galiza.
Caorann-talmhainn, em gaélico escocês "frutinha da terra".

O caso de careixo "grão de cereal de má qualidade", pudo ter sido uma deslocação devida a granum, grão, como nome do cereal ao ser inferiorizado, como os tantos pares da atual diglossia galega (melocotão/pêssego) que funcionam nas situações de substituição linguística.
Por exemplo no occitano carrou / carroun é uma variedade de trigo de grão vermelho e pequeno, próprio de Tolosa.
Carolo, tem um significado mais divulgado de caroço do milho, mas há que lembrar carola e carolo como pedaço de pão, aquele pão de trigo principal das vodas, o mesmo que regueifa, pão repartido entre os assistentes a um enterro, pão que é dado para os pobres, côdea da boroa, o mesmo pão de milho, a boroa, pedaço qualquer de pão duro ou ressesso, farinha de milho, papas de milho.
Carolo como noz ou casca verde exterior da noz, carrola e caroço, também como noz, aparentam-nas, desde a etimologia mais divulgada, com o grego κάρυον (káruon) "noz" ou καρύα "avelã", mas desde esta explicação poderíamos falar de serem formas cognatas, de um protoindo-europeu *(s)kaer-olus / *(s)kaer-om "alimentinho", que no galego divergiu em vários significados de alimentos de cereal e de noz.
Carocho, pedaço de pão, rabanada de pão, espiga de milho de grãos pequenos, regueifa, pão que na cerimónia da voda é presenteado polos que casam à vizinhança.
Caroucho, espiga do milho que não se desenvolveu completamente. Mas: escarouchar "espigar, nascer a espiga no cereal; criar com cuidados e atenções um animal ou planta".
Careixo, carolo, carocho, caroucho, seriam então o que resta da palavra galaica cognada da latina cerealis como mais adiante poderá ser intuído polas explicações que serão dadas.

Todas estas palavras levariam a um par celto-itálico Ceres / *kaor-, fruto e manifestação do divino no alimento, sobretudo na fruta e no cereal, divindade reinante no outono, governadora do sonho e do sono.
Isto estaria também na Grécia com a palavra κᾰρπός (carpos) "fruta" e com a deusa do mesmo nome Carpo, Καρπω, uma das Horas, Ὧραι, a da fruta, encarregada do outono.
Caer Ibormeith está na mitologia irlandesa, cisne fêmea que se transforma em humana polo Samhain, que tem a ver com o sonho e o sono. O seu nome em gaélico antigo significa: cáer "baga" ibor (variante de ibar) "teixo" e méith "que define o suculento, maduro, de polpa macia". A entidade feérica Caer Ibormeith está a ser nomeada pola frutinha do teixo (chamada em partes da Galiza: zreija do teixo, babulho e cientificamente arilo) mas não polo seu tudo, e sim especificamente, só polo arilo, pola polpa. Entenda-se que o nome desta baga como babulho tem a mesma razão que méith, para determinar que é só a polpa a parte comestível, carne que envolve a pequena croia da semente, semente que é tóxica.
Zreija (de teixo), babulho, arilo.

Caer Ibormeith a que mora em ambos os mundos, no real e no do sonho, partilharia uma relação com a romana Ceres, que tem a mapoula, papoila, como símbolo. Mapoula do sono e do sonho que a planta gera.
Mapolua, papoila (Papaver rhoeas).

Outra divindade ou entidade mágica céltica relacionada com a baga poderia ser a gaulesa Ceridwen / Cerridwen, percebida como *ceri "baga, fruto" -id "sufixo que forma nomes abstratos, e -ven como mutação do arcaico ben "mulher". Então cer-id-ven seria uma palavra para dar nome à mulher das frutas em abstrato, "mulher da *frutiz, mulher do fruto", a mulher da produção da natureza e da produção agrícola, uma expressão do mesmo que mostra a Ceres da cornucópia.

Outras palavras que poderiam ter a ver com a família de cáer seriam:
Carrela: cacho de fruta, cacho de uvas
Carrelo (trasmontanismo): cacho de frutos, pilha de castanhas
Carrola: pinha do pinheiro. Ramo de árvore carregado de fruta.
Carraina, carramolo, carrelada: ponla carregada de fruta.
Carramilhete: grupo de cereijas com pedúnculo ou raminha comum
Carrapeta: maçã brava de pequeno tamanho
Carrapeteiro: maceira silvestre.
Carapeto / carapeteiro: pereira brava.
Carrapicho, carrapete, carriço: fruta pequena.
Carriço: lúpulo
Carrelhão (-om): grupo de avelãs num mesmo ramalhete
Carraço: ramalhete de fruta
Carrenha: sarmento de vide com muitos cachos de uvas
Carrola: noz.
Carroceiro / carruceiro: espinho, estripo.
Carajeta, carajico, carajica, carajiqueira: o êrvedo ou medronheiro, (Arbutus unedo).
Carrasca(?) tem variados significados, entre eles estes que podem ter a ver com a raiz analisada: "azeitona brava, pútega (Cytinus hypocistis), rusco (pola sua fruta esférica encarnada), enredadeira de bagas vermelhas que medra nas beiras dos rios (talvez a Dioscorea communis, tamo)".
Carrasca, chamada também entre outros nomes gilbardeira (Ruscus aculeatus) com as suas bagas.
Em partes da Galiza carrasca ou carrasco também é chamado o azivro, o azevinho, que compartilha com o rusco as bagas vermelhas e as folhas com picos.
Carrasca (Dioscorea communis).

No Asturiano palavras talvez da mesma raiz que cáer:
Carramieḷḷa: rama carregada de fruta
Carramieḷḷu: árvore carregada de fruta
Carranculos: escaramujo
Carrapelláu, carrapetáu: carregado de fruta
Carrapiellu: envoltura da avelã da noz
Carrasca: "rusco"
Carrasquín: uva pequena e azeda
Carrastrín: grupo de avelãs juntas na mesma ponlinha
Carrucín: maceira
Carrucina: maçã
Carruezu: maceira silvestre

No aragonês carrón "escaramujo do silvo-macho".

Carroceiro, escrambrulheiro ou escaraminheiro (Crataegus monogyna) seriam os nomes que poderiam estar na raiz analisada de cáer.
Em galês criafol y moch, literalmente "bagas dos porcos". A palavra baga é grafada como criafol / criafon /criawol / crawel, dão especificamente o nome às cereijas-de-cão, as maçãzinhas da tramazeira (Sorbus aucuparia), criafol tem a mesma base que o gaélico antigo cáer.
Em catalão cirer de pastor.


Garouva é o nome da carabunha, do osso da cereija, talvez uma antiga *kaer-ovo. Confronte-se com garroba (Vicia articulata) com o francês caroube "alfarroba". 
Isto cria uma ponte entre *kaerr- fruto, e cereal,
[como foi mostrado com careixo e carrou(oc) / carroun(oc), já apresentados ou com carrouio(oc)  / carroulho(oc)  "espiga de milho", carabin(oc)  "trigo negro" também provençal]
com farr-, farro "trigo candeal e farinha de cevada".
Garroba (Vicia articulata)



Caroube em francês, carrobi, carroubi em occitano, nomes da alfarroba.


















Voltando a Ceres: É-lhe dada uma etimologia no protoindo-europeu *ker-es-, derivada de *ker- "medrar, crescer; alimentar".
Ceres também significa "alimento, pão, fruta, cereal, grão".
Ceres nai da cereija?
Cerolho e cirola, as ameixas,  com uma etimologia derivada do latim cereolus, que já naquele idioma nomeava as ameixas. O mais divulgado é que cereolus  derivaria de de cēreus "céreo, de cera".
Confronte-se com as formas asturianas e asturianismos no galego: cerigüela, cirigüela, cirigüeda, ciriguola; que haveria que relacionar também com cirinhola, e cerogolerio.
Poderia derivar este conjunto das ameixas como cereolus não da caraterística cérea, mas da raiz *ker- "pequeno fruto" e então serem Cere(s)-olus "frutinho", ou cere(s)-ŏla, *cereola, *cerewola?
As ameixas são céreas?, podem ser algumas castes; as ameixas bravas, abrunhos, grunhos,  ou silvestres são escuras e muitas das cultivadas.
Em diferentes lugares da Galiza as ameixas de casta pequena são chamadas de cereijas.
Relevantes são os primeiros testemunhos galego-portugueses do nome da cerdeira: "cersales, figarias et nocarias", cersal no que equivaleria hoje a cereijal. A palavra cersal obrigaria a uma forma tal que *cersa para a cereija.
Assim teria havido a forma hipotética *kaere-  que teria gerado:
Galego-português: cereja, cereija, zreija, cireija.
Asturiano: cereza, cereiza, cireiza, zreiza, zreza, zreisa, cereisa
Castelhano: cereza
Aragonês: ziresa
Catalão: cirera
Occitano: cerièra, cerièira, cerièisa, cireisa
Francês: cerise
Latim: cerasum, cerasus, cerasium.


Boue-carrèis, bounet-carra (grafia antiga occitana), carrèis e carra é pensado significar quadrado, a dar nome ao barrete-de-padre (Euonymus europaeus).

No occitanom lemosim, carrivo: uma variedade de castanha




Assim o lexema proto-céltico e talvez protoindo-europeu para as bagas encarnadas teria-se "especializado" em:
Uma linha céltica de lexema: caor- / caer- / cer-
Uma linha germânica de lexema: kir(sijā).
Uma linha eslava de lexema: čèr(šьňa); trasliterado como cher-.
Uma latina de lexema cer-.


Cerdeira, cerejeira-brava (Prunus avium) tirada da página Flora on.
Caor-ghìnidh em gaélico escocês, literalmente, bagas de cerdeira-brava.
Sambucus nigra, bieiteiro, caora-dhromain em gaélico escocês "bagas de sabugo".
.

Então poderia ser lançada a hipótese que as palavras do galego e asturiano (aragonês, carrón) de lexema car- referidas à fruta, ou no caso de careixo ao grão de cereal pejorado, teriam a ver com uma forma do tronco céltico.
A raiz *skaer- na palavra grão, granum latino e granom céltico como um *(s)kaer-a-nós, confronte-se com o inglês corn, proto-germânico *kurną?

Assim os nomes tão variados da tramazeira com lexema car / cor / ca:
carnabude
carnabulho
cornabuda
cornabude
cornabudo
cornabuto
cancereijo
canfreixo
capudre
capúdrio
capurro
cornabois
cornapuz
cornide
Teriam a ver com o céltico caor das suas bagas?
Ou com corno?


Carrapeto (Malus sylvestrisceirt no gaélico escocês; aval krabbys em córnico.
Em inglês crab ou crab apple de etimologia pouco clara; neste caso o céltico cáer que pode estar na palavra cornualhesa aval krabbys poderia dar uma razão

Como exemplo de deslocação de significado por inferiorização (pêssego/melocotão) neste grupo de caor cáer cer-, estaria o grupo das maçãs pequenas e silvestres: carrapeta, carrapete, carrapeto, carrapito, e no asturiano por exemplo carucín que dá nome a uma casta, determinada de maçãs, e também as palavras carueza "maçã e maceira silvestre, pera silvestre, pera cultivada dura e insípida usada para compota" e caruezu, caruozu, carruezu, carruozu que além de dar nome como a carueza, à maceira e maçã silvestres, dão nome ao caroço "a parte dura da maçã" que não se come; carozal, caruceiru "maçaira".
Então também é entendível nesta inferiorização o nome de caroço e caruceiro, no nosso linguajar, para a maçã e a maceira silvestre.
Assim o nome de caroceiro para o espigueiro, para o hôrreo, tem toda a sua razão, não como lugar para o caroço entendido desde o hoje, como parte inservível de um fruto,  ou o caroço do milho, e sim como caroço sinónimo pleno de fruto antes da sua inferiorização, como o lugar ancestral onde eram conservadas as maçãs e outros frutos.
(*skaer-othus).
No catalão há a expressão: Fer carrilló: fer tertúlia per a jugar i menjar pomes cuites amb sucre i vi, i coques fresques (St. Llorenç de M., ap Aguiló Dicc.).


O pômulo, pomŭlum,  tem a ver com o pomum latino, numa ideia de maçãzinha, a confrontar com um dos significados do inglês apple "maçã" e "the round, fleshy part of a cheek between the eye and the corner of the mouth when a person is smiling", que é o carrilho.
Os carrelhos, os carrilhos, carriellos(ast), carrillos(es) seriam  célticos *carr- + -elho /-ilho "maçãs pequenas". Isto ajuda a perceber o qualificativo asturiano caruezu "pessoa de face carnosa".



Neste caor cáer cer- céltico pode ser observado que vai a componente da cor vermelha. Então encarnado e carne, poderiam sediar nesta mesma raiz. Assim no gaélico escocês càrr "carne, especialmente a carne de baleia, foca ou caranguejo", no galês crai "carne fresca"; no gaélico medieval cnes, cnis, cneis, cneas com o significado de carne (a sequência ortográfica gaélica cn- representa o som /kr/).
Então o conjunto de palavras para os vermes da carne, para a carne putrefata: careixa, vareija/ vareja, o castelhano cresa / queresa, teriam a ver com isto, na mesma sequência diglóssica de ficar para o inferior ou inferiorizado a palavra da língua inferiorizada?
Para esta palavra careixa / vareja "verme ou mosca da carne" o asturiano revela o relacionamento careixa / careisa "ovo de mosca, ovo da mosca da carne", além dos significados do verme.
A cresa, no castelhano comparadas entre elas a zreija e a asturiana zreza, ajudariam a perceber o castelhano fresa "morango", com talvez origem na mesma raiz de cáer / *ker "fruta vermelha".
Então as palavras galegas para o morango de este grupo como são freixa, frece, fres, frez, fresa(?), tidas por castelhanismos, polo aqui mostrado apenas seriam manifestações de uma raiz *caerasia / *caeres  *zreza; nessa pronúncia variante frequente na Galiza entre /θ/ e /f/.

O abrunho ajuda:
Abrunhos (Prunus spinosa).

De entre os nomes para os abrunhos, há que salientar aqui os de cerolho e zorolho, já apresentados (cereolus) compartilhados com a ameixa. E o de freijó [Juan Sobreira Salgado (1794)], como evolução de um hipotético *cerejolo / *zreijolo.

Voltando à carne, o cerdo, teria uma explicação como o que tem carne, confronte-se com o basco txerri, zerri, nomes do porco, compare-se com quiro e o sânscrito किरि (kiri) "javali".
Assim o étimo *flaiski nas línguas germânicas para a carne, teria a sua lógica na mesma evolução que fresa, freixa, frezes.
Do mesmo modo que carne e carneiro estão próximos, no gaélico caor "baga" e caora "ovelha" teriam relação?
Nesta variação cere-/fere- e z're-/f're-, observe-se frezador "comelhão" e frezes "comida feita a base de manteiga ou os seus restos com, leite, farinha, migas..."
Freijó também dá nome ao bolbo comestível do Conopodium majus e do Bunium bulbocastanum.
Freijó também é a fava ou feijão. Freijote é nome da ervilha.
E freijó também é a filhoa, daí é que no castelhano estes crêpes sejam chamados de fruta de sartén.
De entre os nomes do bolbo do C. majus e B. bulbocastanum (freijó, afreijo, cereijó, frojão, rejó) sobretudo o de cereijó ajuda a perceber outra vez o intercâmbio dos fonemas /θ/ e /f/  freijó/cereijó e a ideia de "frutinha esférica", neste caso um bolbo.
No caso das filhoas: a forma com cê, frente o comum efe, em cereijolo versus freijolo (feijó, fereijó, fereijolo, freijó) nomes para as filhoas, também faz notar essa variação  /θ/ e /f/
Reparando um pouco no freijó como fava ou feijó, é acreditado vir do phaseolus / phaselus que tem uma etimologia "desconhecida" com apenas parentes no grego antigo: Isto anteriormente desenvolto explicaria, não um phaseolus > feijó / freijó, e sim um *caeresi-olus / *caerej-olus como raiz de ambas as formas phaseolus / freijó.
Cereijas são chamadas as ovas da xiba, pode ser por similitude de forma e a sua cor escura e não por pertença a esta raiz caor /*cer; ora esta ideia de forma esférica encarnada que leva em si a raiz proposta, abre a porta a perceber o porquê do nome do conjunto de ovos dos peixes (trutas e salmão), mesmo de rãs e sapos, no castelhano como freza.

Caora-mhitheag nome em gaélico escocês do arando.

Conclusão:
Este escrito não está fechado ainda. E vai servindo para dizer que há evidências para alicerçar os nomes de diferentes plantas com fruto em baga ou similar, com uma raiz céltica ou já protoindo-europeia, *skaer- / *ker.

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