Os cárceres e demais ...Protoindo-europeu *gʷʰargʷʰa?




Sobre toponímia galega de lexema card- e cart- já se tem tratado neste blogue "Baltar, o pastoralismo":
Mixão / Mexão (-om) de São Martinho de Rodis (Cerceda).
Este grande chouso tem microtoponímia associada relevante:
Petão do Carteiro: Carteiro não tem a ver com os correios, mas com uma forma anterior ao cardo romano, como lugar de guarda do gando (*kwarto).
Confronte-se com o sámi kaarre "curro para renas", do proto-saami *kārtē, com as variantes dialetais gaertie "curro para renas", gárdi "chousa valada, curral para renas", kä ́rdd "curro valado".

Nas línguas fino-bálticas, no finês, o curral para animais tem o nome de karsina, de um proto-finês *kartina.
A sua relação com o indo-europeu dizem que pode ser polo lituano gardinys.

É pensado também que esta palavra nas línguas finesas ou fino-bálticas do grupo de karsina, poderia ser um empréstimo germânico também, por exemplo no norueguês garðr com o mesmo significado "curro".

Isto é, a palavra para o curro pecuário nestas línguas, finês e sámi, alheias ao indo-europeu, é pensada ser um empréstimo.
Mas poderia ser que a palavra fosse comum a ambas as famílias, ser das língua protoindo-europeias e das línguas urálicas, o que lhe daria uma antiguidade de onze mil anos, segundo a hipótese nostrática, estaríamos no 9.000 aC., nas primeiras monumentais manifestações do megalitismo (Orca dos Juncais, datada por radiocarbono no 8.750 aC)

Santa Maria de Abadim. Na imagem podem ser vistos os dous grandes curros, o do leste leva o nome de os Cardos. A igreja parroquial ocupa o lateral sul no meio com um caminho que une coa Torre, o curro do leste tem o lugar de Fernandanho dentro dele.

Poderia ser percebida a génese do *kart: como do lugar "central" do pastoreio, o *kwardo / cardo, foi divergindo e criando-se todo um conjunto de palavras que originalmente sediariam no curro central cardo / cadro / quadro / quadra?
O cárdio coração, o cardo eixo referencial, e o carduus vegetal, já no asturiano cardina "tojo" (também em hipótese como tapume?) a cardenha (bisarma), gardunho (Crataegus monogyma) arbusto da sebe, cardume "rebanho"...
A relação entre o carduus e o guardar: chardon é nome francês do cardo, muito próximo ao galego xardão (azevinho, espinho, chaparro de azinheira), confronte-se com jardim, com xarda "Ruscus aculeatus".
O xardão faz a sebe guardadora.
No galego da Samora, em Lubiám / Luvião:
A xarda [sárda]. Es uno de los topónimos menores lubianeses que ya recogió KRÜGER; cfr. GK pg. 157, quien lo relaciona con el cast. jalde, port. jalde, jardo, REW 3646, GALBÍNUS.
En este lugar de Lubián es donde sestea la vacada. Sin negar en modo alguno esta plausible etim, téngase empero en cuenta el port. jarda y járdia 'charneca de rosmano, alecrim, camarinha, joina', para precisar el sentido del toponímico.

Assim o guardo / gardo / cardo pastoral neolítico poderia ter originado o conceitos de cardo latino, a rua cardinal romana norte sul, ou o lugar cardinal. Pois foi desde o lugar pecuário que se vaticina, desenha o lugar "citatino":
Nas fundações das urbes romanas iniciais é descrito que antes de andar com o arado marcando os limites, era desde um ponto exterior que se desenhava a urbe. Esse ponto referencial desde onde se marcavam os eixos e era escolhido o assentamento tinha uma construção oracular uma estrutura simples que referenciava as coordenadas, um auguraculum. Nesse ponto havia um buraco cavado na terra ou na pedra que levava o nome de mundus, nele realizava-se um ritual, onde se faziam oferendas, trazia-se terra doutras partes, aradinhos votivos....
É assim que desde um ponto exterior são traçados os eixos cardinais, na cultura romana: o cardo (cardonis) e o decumanus.

Estariam também aqui, darredor do kard- os parentes do grego χόρτος (khórtos)?
E evidentemente os topónimos galegos de base card- / cart-: Cartelhe, Cardelhe, Cardeiro, que no escrito "Baltar, o pastoralismo" fôrom explicados:

Paróquia de Cardeiro, lugar da Igreja. Pode ser vista a forma de cousso, coa igreja e cemitério. Cardeiro que segundo esta linha etimológica seria o mesmo que um "gardeiro".

Então temos no finês a karsina *karthina "curral de renas" e no sámi kä ́rdd, kaarre gaertie, gárdi, do proto-saami *kārtē, aparentados com os topónimos pecuários  indo-europeus de lexema card-, cadr-, cart- .
Mas esta palavra finesa karsina, abre a possibilidade de estudo da toponímia aparentada com cárcere, ou de lexema carc-, como pecuária.
Cárcere desde a etimologia latinista nada ou pouco tem a ver com a pecuária, pois é um local para réus, ou um portão de partida de uma corrida de cavalos.
Relaciona-se com um porto-itálico *kankros derivado do proto-indo-europeu *kr-kr- “circular” .

A Carceleira de Osseiro (Arteijo) fazendo parte central de uma hipotética chousa neolítica. 

A Cárcel em São Mateu de Vidal (Travada).

Carçoá (Qualedro)

A Carca em Santalha da Devesa (Ribadeu).


A Carqueixa / Carqueija de Santa Maria de Proendos (Sober). Está integrada num sistema de chousas complexo que aqui é esboçado, seguindo a norte para Mer e sul continuado por Vilabalde, (Vilabalde é um topónimo que será explicada a sua génese mais abaixo e que foi tratado no escrito "Baltar, o pastoralismo").  Carqueixa é um fitotopónimo ou deriva dogrupo kark- aqui esboçado?
Relevante é a presença de uma monumental mámoa nas suas imediações, marcada com uma frecha, o lugar tumular está onde noutras chousas se situa a Igreja.

Bom, então pode ser visto que o topónimo de chousas pecuárias do tipo Cardelhe, ou Carteiro, lexema kart- tivo variações karth- / karz- / kark-.
O primeiro fonema de karth- cárcere pode sonorizar e mudar garth- / garz-:

A Garcia em Abeancos (Melide)

A Garcia de São Miguel de Progo (Riós)

Vila Garcia de São Salvador de Paiçás (Ramirás).

Garcia como apelido tem muita controvérsia etimológica. Explica-se desde o árabe marroquino غرْزة‎  (ḡərza) "pontada de costura", pelo árabe clássico غَرَزَة‎  (ḡaraza).
Aqui as garcias /gárcias toponímicas poderiam ter a ver com a vedação desde uma variação do protoindoeuropeu *warth- (bardo / cardo / gardo / garz-), como variações de *warthia.
Assim engarçar, garçar na ideia de entretecer sebes, estaria relacionado com as duas linhas, غرْزة‎ f (ḡərza) "pontada de costura" e com *warth- bardia / barda / gárcio / garfo / carda.

Garth- / Gark- / Garg-:
A Garga de São Fins de Anlhões (-ons). Garga poderia ser percebido como gola, garganta, pois o rio corre por um vale mais pino. Mas também nas *kark- cárcovas, cárquevas é possível guardar melhor o rebanho:



Celta-q / celta-p?
Seriam de esperar topónimos parth- : parcela; barth- : varzela; marth-; farth-?

Sobre o conceito e topónimo varz- já foi alargadamente escrito no blogue: "Varzela e barcela"
Lexema que a etimologia mais divulgada associa com uma palavra pré-romana, e nessa esculca já fora aparentada com parcela e carcela.
Aqui acrescento o topónimo de base bard-, onde barda e bardar é palavra viva como vedação:

Bardaio de São Martinho de Cores (Pontecesso). Bardaio abre a possibilidade a que Baldaio / Valdaio seja da família da barda da vedação neolítica. dado também ideia do que é um balde, e do que são as primárias baldas "ladrais" do carro de vacas.
Assim topónimos tipo -bald- como Vilabalde:



Vilabalde em Figueiroá Sober

Partes, partir o território:
Então havendo gard-  / bard- para chousas pecuárias neolíticas, também são possíveis pard- / part- à par das parcelas:
Parteme de Riba em Santo André de Sirgal e Parteme de Baixo em São Pedro de Frameão (-ám) (Monterroso). 
Parteme em São João de Froufe no Irijo
















A Aldeia do Pardo em São Salvador de Coiro (Cangas), no centro de uma grande chousa.
A Cruz do Pardo em Cesar (Sárria) no bico de uma chousa de forma típica, com a igreja da freguesia no seu lado e também com toponímia associada frequente (Pácio: palatium, Xestal: lugar do sesteio) sendo a cruz como em tantos casos: o bico de entrada saída à chousa, com a típica formam de "couso" descrita na postagem "Pastoralismo incial? A godalha e o godalho"


.
O Agro do Pardo em São Vicente de Niveiros  (Vale do Dubra). Pode ser que fosse de uma pessoa de apelido Pardo, mas também que faga referência à *partho.



Pardinhas de Arriba e Pardinhas de Abaixo em São Cristovo de Muniferral (Aranga).
O topónimo frequente Pardinhas associa-se com parede, de uma crase de paredinhas.

De feito as paredes galaicas também são os muros de vedação das terras e não apenas como em latim os muros uma moradia.

E pode ser. Mas neste caso é aberta a hipótese de que pardinhas tenha a mesma raiz que gard- / card- de um hipotético proto-céltico *kwarth- / *kwark-, que virou pard- nas línguas célticas como gaulês e britônico (perth galês vedação, sebe), e viraria kard- nas gaélicas (talvez claidhe / claí gaélico "muro de pedra"?).



Neste grupo *kwarth- / *kwark- nasceriam cercus / circus e quercus.

Quercus / circus seriam duas palavras distanciadas e chegadas ao latim por vias diferentes, uma seguramente própria e outra alheia.

De um protoindo-europeu *pérkus dizem vir quercus.

Se consideramos que as falas do Lázio e norte da Itália eram aparentadas com o protocéltico, teriamos na família do céltico ou já protoindo-europeu occidental (celta-p/celta-q) um *pércus e um *kérkus como variantes de *karth-/ *kark- e *parth / *park-.

Para circus há uma etimologia clássica dada no grego κίρκος, de um protoindo-europeu *(s)ker- "rodear", que geraria o circus em latim, talvez como palavra importada. O que aqui é proposto é que a raiz base de ambas as palavras quercus e circus teria sido *kwarth-/ *kwark- e daí *kerth-/ *kerk-
Compare-se com o tocariano-B a palavra kerccī "palácio" e o quercus de cercus/circus:

Kerccī, do tocariano, é uma palavra em plural, mas tem um significado em singular (pluralia tantum) kerccī tem a ver com cercus / circus, com o grego κέρκος, que entre outros significados tem os de "estaca, paliçada" e com quercus, com o cerqueiro (cerqu-eiro) ou cerquinho (cerq-inho), o do *cerco, do mesmo jeito que mareiro ou marinho são do mar.



Sendo, talvez um lugar este, muito arcaico e arcaizante, conserva-se a dupla evolução, já não céltica mas do protoindo-europeu pard-/ kard-. Então seria de esperar topónimos de lexema *harth:


São Jião de Artes (Ribeira), salientar Outeiro como lugar mais alto, mas também com saída, e no outro extremo: o Sego, talvez o Cego, por ser um lugar sem saída.


Santaia de Artonho (Agolada).

Ardeleiro de São Cristovo de Malpica de Bergantinhos.

Ardevila de Santa Maria de Dornas (Cervantes)

Pardavila de Santa Cristina de Lavadores (Vigo)


Santa Maria de Arcos (Chantada). Pode ser observada a chousa mais marcada, na suspeita que tenha sido uma chousa maior que foi partida co tampo.
Acos derivaria, segundo esta hipótese, de uma forma *kwarkw-us / *kwarth-us que teria passos intermeios e cognados tipo cart- carc-, quart- quac-, guart-, gart-, parth- parc-....
Sobre o topónimo Arcos em Callaica Nomina, o professor Moralejo analisou chegando à ideia de:

.... *h2erk ‘halten’ [‘guardar’] (cf. lat. arx, arceo...) 290 .Esta es la propuesta que sigo para un topónimo Arco(s) con un significado de ‘defensas, cercas’ que habría que especificar, pues podrían nombrar lugares y obras de defensa tanto de la población como, tal vez mejor, de sus ganados u otros bienes...

A evolução final de perda de consoante inicial arth- ark- na foma herd- está mais alargadamente desenvolta no escrito "Lugares herdadas, hedradas".


Ao meu ver este grau de tantas evoluções de uma só raiz protoindoeuropeia, levaria a pensar numa raiz tipo *gʷʰargʷʰa.
Distribuição de toponímia maior de Arco(s) do livro Callaica Nomina de Juan José Moralejo Álvarez.

Santaia de Arca no concelho do Pino. Os topónimos a salientar aqui: Hedreira de riba, que hipoteticamente é do grupo *(gʷʰ)arth-, ardeira, erdeira com metátese (h)edreira, e Quintela, já tratado noutros escritos e descifrado como a ponta, píntia, da grande chousa, daí o antropónimo dos quitilos da Roma.

Arçua, uma *gʷʰargʷʰ-ona, uma grande vedação pecuária.
No seu lado oeste tem o topónimo Cárcel, dentro da grande chousa marcado com um *.

Zarza / Zarça de São Pedro de Minhotos (Ourol)

Os Sardinhas de So a Serra / Soasserra (Cabanas), um sistema de chousas complexo. com um topónimo chamativo no seu lado leste no caminho lateral que tronça a chousa maior: Ucheira, como palavra patrimonial dá nome à boca do forno, às jambas de portas ou janelas, ostium, uscire (italiano), também ucha faz referência a arca, podendo ter havido uma anta, um dólmen, ou podendo dar nome na ideia de ucha/arca lugar fechado, não à porta, boquela, mas a totalidade da chousa, como lugar pechado.

A Sardinheira na antiga freguesia de São Cristovo das Vinhas, hoje um bairro da cidade da Crunha


Chouso de Xardoal em São Pedro de Bêndia / Vêndia (Castro de Rei)

O Xardim / O Jardim de São Cosme de Abeancos, entendo que o Xardim neste caso é um câmbio do som de /s/ a /ʃ/, uma palatalização, ou uma evolução do *gʷʰarth-im direta, há mais xardins na Galiza e muitos deles nada tenhem a ver com jardinagem, mas sim com curros pecuários.



Então ultrapassa a coincidência que haja inúmeros topónimos referidos a chousas pecuárias derivados em toda ou quase toda a gama do indo-europeu *gʷʰargʷʰ-?
Por que razão variou tanto e ficou grafado no nome do terreo?
A ideia é a ancestralidade, e a continuidade. Não houvo desde o neolítico, e talvez desde antes, polo esculcado neste blogue (por exemplo no escrito "O pastoralismo incial, a godalha e o godalho") um varrido da cultura, nem da agricultura-gandaria, dos usos da terra relevante, daí que tudo o passado chega até hoje fossilizado na toponímia e nas marcas na paisagem.



Dous lugares com o nome de Garga em São Cristovo de Porto Mouro (Vale do Dubra), fazendo referência ao lugar estreito de garganta?
No caso do oeste dá nome aos prados imediatos ao rio, na varzea chã, mas pode pegar o nome da estreita passagem prévia do Rego da Portela.



Galês ogof, gogof "cova, caverna, gruta; fissura; toca, covil"; cognado do córnico googoo.


Cardama. Cadarma em asturiano. Cadarme.
Acadarmar.

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