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Engádega a "pãozinhos": o trigo

 

Isto que vai aqui é um acréscimo do escrito Pãozinhos:




Do trigo:
Semelha indubitável que trigo procede do latim triticum, por formas intermédias como *tritigo, e *tritgo para finalmente: trigo.
Uma palavra trasmontana abre uma outra porta:
Estrigana: pragana, aresta de cereal, espinha de peixe.
Como já foi apresentado antes, há uma relação entre a aresta e o nome do cereal, a palavra mais velha fica para dar nome à parte "pior" do grão, enquanto a palavra da camada nova dá prestígio ao grão limpo ou como genérico da planta ou para o alimento.
Estrigana, a pragana, também é chamada de trigana.
(Aqui haveria um derivação com base em pico, espinha, estruga e string- que dá um grande grupo de palavras de chuçar mesmo de lutar).
Então estamos diante de um étimo estrig- hipoteticamente indo-europeu *(s)trik-?
No grego antigo, latim há a palavra στρίξ (stríx), strī̆x que dá nome a uma espécie de espírito maléfico vampírico, a meigas chuchonas, a uma estântiga (um espírito feminino noturno), a um íncubo, e também a aves rapazes noturnas como a coruja, a ave-laiona, também chamada coruja-do-mato. Nesta linha da strix coruja a raiz diversifica-se com palavras que significam berro ou sussurro.
Strī̆x também dá nome ao grão de ouro do rios, que recebe o nome menos divulgado na Galiza de palheta.
A relação entre o grão de ouro e a ave, bruxa não é observada, achando que são de étimos diferentes que convergem na mesma palavra.
Striga é uma variante de strī̆x para dar nome a este ente mitológico, com outro par idêntico na escrita que também é derivado de outra linha etimológica: striga como faixa, linha, fileira, um renque encarreirado de erva-seca ou cereal ceifado, uma faixa de terreno agrícola, um sulco ou rego longitudinal em um campo, uma fenda ... Está-nos a remeter à cultura do cereal ao seu semeado em embelgas, faixas longas de um largo estreito, tal que um ou poucos arcos que o sementador abre. Que teria que ver com o trabalho do cereal, protoindo-europeu *streyg- "escovar, limpar; escascar, debulhar; cortar rente”.
Quer dizer o trigo é semeado em terreno dividido em strigae.
E o trigo é o grão cereal com striga, com fenda.

Sistema de plantação do centeio até o século passado muito frequente, por reparto do comunal e sementeira em cada sua faixa de nome embelga ou leira, striga. Pode ser daí que saiam os topónimos tipo as Estrigueiras, a Estriga, o Estrigo.


As Estrigueiras de São Cosme de Nete.(Vilalva). Faixa de prados na várzea do rio Ladra. Do mesmo jeito que existe uma relação entre a várzea e o comunal e a cultura da sua partição: a varzela, do mesmo modo que a leira tem em si isto mesmo, a striga como faixa de terra nomeia a embelga e nomeia a várzea.
Para lembrar que em Ruidonore até o século XX os prados da várzea eram repartidos anualmente por sortes igual que as repartições do monte comunal para sementar o centeio.




As Estrigueiras em São Tiago de Rubiás dos Mistos (Calvos de Randim)



Na linha germânica: strik / stric "tecer, fazer nós" (confronte-se com tricotar): Dai o vocábulo hispano em época de dominação da Roma: striga "um tipo de vestimenta".
Aqui entraria a palavra estriga que é o linho limpo, o novelo ou mada de linho preparado para ser fiado.

Fotografia de Ruth Matilda Andersen, pessoas vestindo coroças.

A palavra strix latina é das de sufixo -ix, que indicam um genitivo feminino, significando "a da *stra / a do strus".
Que é *strus *stra?
No gaélico da Irlanda strus é o stress, sendo uma adaptação, mas strus significa também recursos, meios, riqueza.
Para um galego de cultura agrária o estro é o estrume; o estro é o alicerce trasmontano, a cama vegetal do gado; antes do que pensar no esterco, o estro é limpo sem fezes nem urinas, perto está da palavra inglesa straw "palha".
Estráu nas Astúrias ajuda a perceber isto melhor: estrado, leito de vegetais para o gado; tabuleiro para o pão ou para a massa do pão, a mesma massa do pão.
Polo lado oriental *stríH "mulher, esposa", no sânscrito स्त्री ((strī́) "mulher, esposa, género feminino".
Confronte-se mulher como muliere o mulido, o mole e a relação sinónima entre o estro e o molime.

Um ritual na Galiza para afugentar uma bruxas maléfica (striga) é fazer na cinza da lareira ou do forno uma cruz rodeada de um círculo e depois varrer (*streyg-), este desenho e a cinza na que foi feito, com punhado de linho listo para ser fiado (estriga). (Excessivas coincidências?).

O estrigoso ou estrigosa é a pessoa desmelhorada, magra por doença.

Para acrescentar: No livro Sefer Hasidim "o livro dos Piedosos" que compila contos, textos religiosos e costumes dos judeus da Alemanha dos séculos XII e XIII, há este relato sobre a stix ou "estrie":

mulheres que são chamadas de estrie... Elas foram criadas ao pôr do sol [antes do primeiro sábado antes da criação]. Como resultado disso, elas são capazes de mudar de forma. Havia uma mulher que era estrie e estava muito doente e com ela estavam duas mulheres à noite; uma dormia e a outra estava acordada. A mulher doente ergueu-se e soltou o seu cabelo, estava pronta para sair voando e sugar o sangue da mulher adormecida. A mulher que estava acordada gritou e acordou  a sua amiga; elas pegaram, agarraram, a estrie doente, e ao fazer isto a estrie dormiu. Se a estie tivesse conseguido chuchar a mulher adormecida, teria sobrevivido. Como a estrie não foi capaz de sugar a outra mulher, morreu, porque precisa beber o sangue de pessoas vivas. O mesmo acontece com o lobisomem. Também as estries precisam soltar o cabelo para poder voar, é preciso conjurá-la a vir com o cabelo amarrado para que ela não possa ir a lugar algum sem permissão. Se uma estrie é ferida ou vista por alguém, ela não pode seguir vivendo a menos que consiga comer do pão e sal de quem a feriu. Então a sua alma voltará ao que era antes.

Aqui então seria possível ligar o oestrum o apetite veemente com a strix / striga que é um espírito íncubo, que nos faria suspeitar do grão de cereal com o cornichó.
Também é associada a strix com o morcego e a raiva.

A lenda grega faz nascer a strix de uma maldição sobre Polyphonte, que acompanha a Ártemis, Amaldiçoada por Afrodita namora-se de um urso ......

Então semelha que a strix é a parte obscura que fica de uma deusa ancestral. Costuma acontecer quando uma divindade nova se sobrepõe em camada cultural à antiga, essa antiga fica apenas com as partes negativas.
Deusa com atributos do grão do cereal, da cultura do cereal primário.
Mas inicialmente e numa ideia paleolítica deusa Ursa. (Arcto /Ártemis)
Uma deusa de cabelos loiros ou de ouro, de cor de palha ou brancos, soltos. Uma deusa do sexo. Que come pão (comunga) para viver. Uma deusa que nos devora. Que é anterior à criação do Mundo. Que é tecelã. Que sussurra.
Então pode ser que estejamos diante de uma Amoura ou Moura.








Lestra, lesta, leste, lestre,  Anthoxanthum odoratum.
Erva usada para dar bom cheiro.
Para reparar que leste é também nome da caruma, gharuma, arume espalhado pelo chão. Também lestas são as espadanas que nas igrejas, nas festividades ou procissões são "estradas" no chão do templo, adro e sobre elas caminham as gentes no ritual. Também a gramínea lesta foi usada com este fim (Sarmiento) .
Um dos nomes da Anthoxanthum é erva-santa.
Poderia ficar aqui a parte não-obscura da strix neste caso *lestr-?
Para perceber lesta, lesto o mesmo que lista, inteligente. E se striga é uma faixa, também lista/ listra é uma faixa.
Erva-lista Polygonum aviculare. Erva medicinal com diversos usos, comestível, medra a rente do chão.



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