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Para uma interpretação congruente da toponímia do Campo da Feira de Mezonço


 






O lugar da freguesia de Mezonço em volta do Campo da Feira onde está a capela de São Pedro tem uma conformação em cousso de caça, fechando uma área contra o rio Tambre.
Este desenho tem uma toponímia congruente com esta estrutura de captura de animais.


Polo lado leste: O bico de captura tem o nome de Peteiro dada a sua forma
So as Hortas / Sob as Hortas indica que está debaixo de uma horta mas horta aqui não estaria a dar nome a uns terrenos agrícolas de cultura de de hortaliças nem ao hortus latino "jardim", mas a *ǵʰórtos protoindo-europeu que tem a ideia de "vedação, lugar cercado", então So as Hortas estaria a significar sob as vedações.
Assim a oeste de So as Hortas está o Codessal, que na etimologia mais divulgada é atribuído como fitotopónimo, lugar onde medram codessos (Adenocarpus complicatus), mas aqui iriamos a também uma raiz anterior.
Codesso estaria nesta outra hipótese aparentado com o latim codex ou caudex (caudicis) "cáudice, tronco, poste, cepo". Podendo ser um genitivo feminino antigo polo seu sufixo -ex supostamente "da *cauda /  da coda".
Ou também codex ou caudex "da (terracauta" do couto; poderia estar cautus "na sua família como raiz.
A Picha pode estar dando nome a uma nascente, ao declive que ali há ou à forma  da vedação.
Fafiã foi analisado mais pormenorizadamente no escrito "Fafião".
Don-fafe (Pyrrhula pyrrhula) que dizem vir o seu nome do alemão Dompfaff.
No alemão Dom-pfaff "basílica-clérigo", o clérigo da basílica?
No cúmbrico, faff é o crego,
No alto alemão e alemão médio pfaffe "clérigo", com formas como pfaffo, a etimologia alemã relaciona-o com papa latino no grego πάππας (páppas).
Mas sem recorrer ao alemão, Dom-fafe seria "dom-clérigo" no galego-português?
No galego os nomes de esta ave estão relacionados com a religião: camacho, cardeal, frade, gamacho. Gamacho é a figura do demo na procissão do Corpus.
No asturiano: curín
No aragonês: capellanetcardenal.

Faf-, fav- teria a ver então com a mesma raiz que vai dar no latim fabulare.
faf-: como lexema de crego
fab-: como lexema da fabula latina.
fav- como lexema de comida, fava.
pap-: como lexema de boca (papa / papo: comer e falar).

O étimo indo-europeu  para o nome latino da faia fagus é pensado ser *bhāgós. O que poria em relacionamento a baga com a fava, com o fabo aragonês. Que nos leva a uma etapa de primórdios da língua onde o ato de comer e a comida daria nome a plantas principais, ou as plantas principais dadoras de comida dariam nome ao comer e à comida.
Poderia ser feita uma relação entre a antiguidade da palavra fabo favuco como *bhāgós proto-indo-europeu do 6.000 aC e a distribuição da faia como árvore alimentar que deu nome, sempre e quando não tivesse havido um deslocamento de significado de qualquer outro nome de fruto para o *bhāgós, favuco da faia?
Dificilmente pois *bhāgós aparentaria com *pʰāgós, e por exemplo no grego esta raiz da nome às landras e aos carvalhos φᾱγός (phāgós).

Esta raiz buscada para o topónimo Fafiã liga a religião com a comida, estaríamos na comunhão.
Mas neste caso toponímico os nomes dessas terras beirando o rio e com orientação solheira levariam a pensar estar o topónimo muito mais próximos à ideia de comida, de pastagem.

O Faveiro / el Faberu no Bierzo com a forma típica de cousso de caça desenhado polos rueiros da localidade.








Continuando com a toponímia neste caso da parte central da estrutura de captura:
O Marmoiral, estudado como evolução de memorial, local de enterramento.
Outro topónimo a reparar nele é o de Penedo; os mais dos coussos de captura ou caça têm uma pedra significativa, um penedo, por vezes com toponímia tipo penela, ou pedra, também na sua forma pera, oculta baixo formas como pereira ou pereiro que fazem pensar em fitotopónimos.
Estas penas, além de rituais aras altares, poderiam ter funcionado como lugar limpo para abate, evisceração e despece da carne, e daí do ato profano passar ao sacro, com todo um desenvolvimento cultural religioso das pedras marcadas com sangue, os molhões.

O Campo da Feira, seria transparente, mas convém lembrar que feira tem uma etimologia com o latim feriae cognado do grego  θεῖος (theîos) "divino".
Então estaríamos num espaço religioso, onde havia uma carvalheira (da que só restam dous carvalhos hoje), onde há uma capela com advocação a São Pedro (o santo da pedra, do penedo)  e onde era realizada uma feira, um mercado.

Uma das casas mais antigas do Campo da Feira é a de Cortês.
Cortês que quereria dizer "das cortes", por ser a casa talvez primária de gestão do Curral das Vacas.

O Corgo é um caminho fundo que sai do fundo do saco da vedação. Este caminho fundo seria criado pola passagem continuada de animizais já não selvagens e sim semi-domesticados ou já domésticos, de um grande rebanho gerido o seu pastoreio para fora da primária vedação da zona sul.
Corgo é tido por aférese de córrego uma palavra pré-romana.
Assim é observado como existem dous corrais ou currais , o Curral das Vacas e o Curral de São Martinho.
Estes currais separados seriam funcionais mais tardiamente já com animais semidomesticados que poderiam tolerar estar fechados em espaços pequenos, que sairiam pascer a norte polo Corgo e a sul no espaço para o rio.

A referência a São Martinho no curral como diferenciador do das vacas faria pensar em serem cavalos, pois o cavalo aparece comumente na simbologia do Santo.
São Martinho poderia ser interpretado, desde a continuidade como uma cristianização da divindade Marte?
A etimologia do latim Mars (Martis) antigo latim Mavors vai dar a um proto-itálico *Māwortis.
Com palavras do tronco céltico para nomear equídeos:
Gálata: μάρκαν (márkan)
Gaulês: markos.

Haveria pois uma raiz anterior para cavalo com par *mar-pos / *mar-kwos?
Também no proto-germánico *marhaz.
A ideia seria que a égua, o cavalo, teriam um nome tabuado, um epíteto *mar-kos, "da *mare".
Por exemplo no sânscrito estas palavras significam égua ou cavalo:
मयी (mayI): égua
माया (maya), “aparição, irrealidade, fantasma, fraude, malabarismo".
माया (māyā́) tem diversos significados, aqui vão os védicos, (pois os posteriores levam maior carga negativa, ou só estão focados na parte negativa) माया (māyā́) "arte, sabedoria, poder sobrenatural ou poder não-humano / ilusão, engano, malandragem, magia demoníaca".

O que nos leva  ao Dianho Bulreiro:
Cando ibam ver as mozas a esoutra parroquia, a Damil, chegando ó Porto apareceu-lhes uma égua moi bonita, acarinhárona... E ibam a cavalo duma égua..., e no medio do rio desapareceu a égua..., desfixo-se. Nom sei, nunca chegarom molhados... Nesse Porto viam umas luzes, sentiam éguas rinchando...
(Tirado de Barcas do Minho).

Numa ideia de que a égua (cavalo) teria sido inicialmente considerada uma manifestação da divindade, que com o tempo e a caída da Divina Feminina apenas foi ficando com o negativo.
Assim a divindade Marte entre outros aspetos tem o cavalo de batalha consagrado a ele, e carreiras de cavalos eram celebradas na sua honra nos seus dias festivos.
A égua, o cavalo teriam um nome tabuado, um epíteto como pode ser mais ou menos observado no sânscrito.
A partícula mar-, dos nomes antigos europeus para égua ou cavalo, leva-nos ao proto-indo-europeu *mor-, *mer-  entendido como "morte" mas onde anda a amoura / moura.

Bom todo este fio foi para mostrar na ideia de continuidade que São Martinho, o Marte pequeno, monta um cavalo. Cavalo, égua que podemos intuir a sua relação com o divino, posteriormente com transformação em dianho, apenas ficando com funções pejoradas.
O que leva a pensar que nos tempos passados uma mudança da cosmovisão levou a que as divindades ficaram partidas, umas conservando os aspetos percebidos como bons, e outras ficando demonizadas.
Seria para pensar que a divindade arcaica era mais completa e livre do julgamento de bem ou mal dos seus atributos. Os significados védicos da palavra माया (māyā́) datariam essa mudança com posterioridade ao 1.500 aC na zona da Índia.

Só para pôr a série:
Sânscrito मर्य (márya) "cavalo de padreação, semental"
Etrusco Maris "divindade Marte"
Latim mar maris "homem, masculino".
Galego marão "que não está capado; masculino, macho".

A Senra: tem formas parelhas nas Astúrias: sienra, xenra, sierna, sénera, algumas partilhadas polas falas galegas orientais. Todas elas com os significados de agras e herdades que se repartiam e cultivavam em embelgas, mas também como "serra" cadeia de montanhas e como sendeiro entre terras de lavoura.
A palavra asturiana sénera faz pensar nas proparoxítonas de sufixo genitivo plural: "das *senas, dos *senos", dos seios(?) numa hipótese que iria na ideia de "interior".

Assim nesta ideia de Senra como "dos interiores", em limite estaria o Souto como saltus, mas aqui não tanto na ideia de souto "castinheiral" nem saltus latino "floresta".
O Souto como noutros escritos de este blogue aparece como uma rotura de uma continuidade, realmente como um salto, um pulo.
Esta ideia de salto/souto aqui apresentada é frequentemente observada nas posteriores constituídas vilas e vilares vedações pecuárias com forma de grande curro afunilado, onde na sua evolução posterior fôrom partidas, ao serem domesticados completamente os animais e desparecer o grande rebanho, talvez pola domesticação já total, ou polo avanço da privatização:

O Souto de São Salvador de Liminhão (-om).  Souto que aparentemente nada tem a ver com castinheiros e sim com a palavra "salto" pois a inicial grande chousa foi partida, e nesse lugar onde a continuidade foi interrompida está o salto, o Souto, deixando a sul o que semelha as terras do Paço, topónimo do cabo.
Aqui neste caso de Souto no Campo da Feira de Mezonço é uma zona relativamente chã que para o seu lado oeste muda de nome para Vau, pois é um valigote onde sim estaria o saltus latino com o significado de "ravina".
Mas, como uma palavra latina pode estar a dar nome a uma estrutura que aparentemente seria anterior em milénios à chegada de Roma?
Por exemplo saltus é dito que derivou no sardo a sartu "território, campo".
Alguns topónimos galaicos tipo Sartão (-ám), mesmo variados como Sartém, fam/fazem referéncia a faixas de terras, ou formações em faixa ou banda, por exemplo na freguesia de São Salvador de Joivão / Xoibám (Vilalva) também em uma formação de cousso:


A parte Oeste:


Fonte-Boi, também chamada Fonta-Boi: Poderia ser pensada uma fonte de auga na que bebe o gado.
Neste casso Fonte-Boi corresponde ao braço oeste da estrutura de captura, noutros lugares com nome de beco ou bico, ou como neste mesmo lugar no seu lado leste: Peteiro.
Fonte aqui teria uma ideia não de nascente mas de fluir na sua ideia protoindo-europeia.
Fons, do latim, tem uma etimologia que antes do que com auga tem a ver com fluir com correr. Fons é relacionada com o sânscrito  धन्वति (dhanvati), “fluir,correr”.
Outra linha liga fons com pons, fonte com ponte. Ponte derivaria do protoindo-europeu *póntoh₁s com o significados de "caminho, passagem".
Nesta ideia Fonte-Boi seria interpretado como a "carreira/corrida/caminho/passagem do boi".

Deixo aqui a palavra Terreo porque aparece com relativa frequência, quebrando a ideia de que sempre fosse um terreo de lavoura, pois costuma aparecer dando nome a essa mesma parte em outros coussos e estruturas de cousso analisados neste blogue.
Este lugar poderia ser um local de muita pisada, carente de vegetação.
Terra latim associam-na com um protoindo-europeu *ters-  de significado "seco", com cognato latino no verbo torreo "queimar, assar", confronte-se no galego os pares torreiro / terreiro ou torrão / terrão.
Noutros coussos analisados neste blogue nesta área pode aparecer o nome de forno ou cádavos e similares, fazendo alusão a um local de cremação ou de cozinhado.

E já na ponta do bico oeste: o Cousso.
A etimologia latinista associa cousso com cursus e por vezes com capsum mas supostamente os coussos de caça seriam anteriores a Roma e muitos deles teriam perdido a sua função de captura já no neolítico.
Mas também há uma distância no significado pois o cousso é tal um lugar de captura e distancia-se do significado do latim cursum como "corrida, curso, viagem". Quando estes locais estão mais na ideia de caixa capsa. Mas também a capsa latina, a palavra, teria chegado aqui quando os mais dos coussos hoje toponímicos já teriam desaparecido como coussos de captura de animais nenhuns.


Coussa Velha na mesma freguesia de Mezonço.
Coussa que faz lembrar a palavra chousa, talvez na raiz indo-europeia relacionadas.
O hitita pode esclarecer com a palavra akkusa "fojo para caçar animais", que quebra a etimologia latinista de cursum e capsum para todos os coussos e explica os porquês do topónimo atravessar as épocas ainda tendo alguns coussos desaparecido a sua função já no neolítico.

Poderia ser que o gaélico cuithe "armadilha, fojo para caça" estivesse nesta raiz.
Cuith no gaélico escocês com o significado de parapeito de terra, valado de terra, cômaro, trincheira, também cuidh no gaélico escocês como vedação para o gando, poderia ser que tivesse o corrimento de significado desde o fojo, a armadilha para caça até o cerrado para gando.

Cousso, akkusa e cuith, também o resto das palavras analisadas no escrito, mostram com a etimologia de ferramenta arqueológica, uma interpretação do passado físico e do pensar humano na altura.

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