Na parte da Galiza conserva-se a palavra velenho para dar nome a duas cousas, à planta do género Hyoscyamus, também conhecida como meimendro; e ao veneno mesmo, como palavra genérica.
Veneno para a etimologia latinista teria uma origem próxima à divindade Vénus, com palavras como venéreo, mas com uma origem no protoindo-europeu *wenh₁- "esforço, desejo amor".
Bom, não digo nada porque o intento de explicação latinista já o diz tudo.
No galego, no asturiano, no aragonês, no catalão, e no occitano, o veneno tem formas como velenho(gl)/veleno(gl), velenu(ast), verenu(an), verí(cat), veren(oc)/verin(oc).
Depois estão as línguas da península itálica e próximas também:
Com a forma veleno italiana.
Vilenu no siciliano.
Belenu, benenu, velenu, ferenu, felenu no sardo.
Velenu vilenu venenu no corso.
Vrer, vrerë no albanês.
Virin no arromeno.
Isto dá uma ideia que leva a reflexionar qual da duas formas a do ele: veleno, ou a do ene: veneno, foi primária, ou se foi alguma primária e outra derivada, ou de existir uma única raiz qual seria:
É relatado por distintos investigadores, por exemplo um etnobotânico chamado Karsten Fatur ,que os berserkr, guerreiros viquingues que cultuam Odin, preparados para a guerra, consumiam o Hyoscyamus para entrarem em transe, para suportar as dores e ferimentos, eram possuídos polo espírito do lobo, viravam lobishomens....
A sintomatologia dos relatos coincide com a gerada pola planta.
Também restos do meimendro foram achados em tumbas do período viquingue na atual Dinamarca.
O meimendro em dinamarquês tem o nome de bulmeurt, bulme + urt, "cachão, inflamação" e "erva".
A palavra dinamarquesa bulme acham ter a ver com o protoeslavo *bel(e)nъ, que dá nome nestas línguas ao meimendro e ao sonhar acordado, por exemplo:
No russo белен (belen) / белена́ (belena) "meimendro".
No búlgaro блен (blen) "ensonho, sonho acordado, visão".
Este protoeslavo *bel(e)nъ, o danês bulmeurt, e línguas nórdicas, é-lhe buscada a raiz protoindo-europeia em *bʰel-n-o-, dando nome ao meimendro ou velenho:
O gaulês belenuntia, belenion.
O galês bela, bele.
O inglês antigo beolone, beolene, belene.
Antigo alto-alemão bilisa, bilesa, bilsa.
Espanhol: belesa, velesa, além de beleño.
Asturiano beleñu.
Galego-português velenho.
Esta etimologia explicativa do nome eslavo do meimendro, *bel(e)nъ, e da visão alucinatória sediam-na ou aparentam-na com a divindade céltica Beleno.
(Belenos, Belenus, Belinus, Bellinus, Belanus, Bel ou Beli Mawr ...).
Onde a guerra e a planta associam-se etimologicamente.
Então seria possível sairmos do cárcere da etimologia latinista e associarmos a planta, em nome do sudoeste europeu e zona eslava e escandinávica *bʰel-n-o- com a divindade Beleno?
Assim a palavra galega belém no seu significado de trifulca, briga; e asturiana belén "agitação, confusão, enredo", remeteriam a esta raiz etimológica do velenho / veleno , beleñu e da divindade da guerra Beleno.
(Para mais sobre belém: leia-se o escrito "a Belém").
A palavra embelenhar / envelenhar, do galego oriental, ligaria com esta raiz que explica melhor os seus significados.
Na língua marathi भेळा (bhēḷā) tem os significados de mistura, uma série de feixes em espiral para proteger o grão.
No sânscrito भेल (bhela): tem, entre outros, os significados de ativo, inquieto; muito levião, ligeiro de pouco peso; tigre pequeno.
Então a palavra velenho / veleno, com o significado de veneno, derivaria da planta do velenho, do concreto físico, uma planta que intoxica, nasceria o geral abstrato, o tóxico.
Por exemplo a palavra galesa bela ajuda a trazer à tona novas relações etimológicas, talvez mais atinadas e com menos saltos.
Bela que como foi dito dá nome ao velenho, ao meimendro, também dá nome ao lobo e a diversos mustelídeos entre eles à marta ou ao tourão; e é verbo com o significado de matar, espancar, golpear, pelejar, brigar, ultrajar.
Assim o verbo pelejar, nada teria a ver com o pelo ou pelelha, como explica a etimologia latinista, e sim com a raiz de Beleno, muito clara no galês bela "brigar, pelejar".
Pelém, pelejo, bêbado?
A palavra latina bellum "guerra", nada teria a ver com duellum "duelo" e sim teria relação com esta raiz aqui mostrada.
Voltando ao caso do galês, e à triplicidade de significados da palavra bela, é para salientar a diferente origem etimológica que a cada significado lhe é dada, mas que polo aqui assinalado, poderia ser comum, ter a mesma origem que ajuda a perceber o uso cultural, etnobotânico ancestral do meimendro, do velenho:
Bela (Hyoscyamus): proto-céltico *beleso- "meimendro".
Bela (lobo, marta, animal depredador): proto-céltico *belau̯ū, aparentado com o latim belua / bellua "monstro".
Bela (matar, espancar) do proto-céltico *belA-"morrer, morte" do protoindo-europeu *gu̯elH- "atacar, esfaquear".
Então refazendo a árvore, um protoindoeuropeu *gu̯elH- / proto-céltico *belA-/*bellA cria uma duplicidade de conceitos, que não é tal:
- A morte, a guerra.
- O que mata: o velenho, veleno, veneno; e o monstro, o depredador. confronte-se com o grego βέλος "frecha, haste". (Na etimologia clássica do hegemonismo, a explicação vira inversa, é considerado que o grego βέλος é primário, e daí deriva-se o veneno e mesmo a guerra, aqui ponho o foco em outra parte para fazer mais compreensíveis e aparentemente mais abrangentes e lógicas as relações).
Assim o nome da marta como zibelina, que fica um pouco obscuro para a etimologia comum, poderia ter a ver com a mesma origem que tem o nome céltico de uma home do primeiro século: Cunobelinus, Kynobellinus, Cunobelin, Κυνοβελλίνος, nome do rei dos catuvelaunos, na atual Grã Bretanha, "o cão de Beleno". Confronte-se com o nome galês das mustélidas e da própria marta: bela.
A zibelina, segundo isto, poderia ser a cadela de Belenus.
Confronte-se como também a doninha tem esses tantos nomes que espelham um talvez tabuísmo de animal, totémico ou com epíteto "religioso".
A marta zibelina (cibelina e cebelina no castelhano) tem duplo nome tautológico, por uma parte aparentada com o nome romano Marte, e por outra com o nome céltico de um dos aspetos da divindade: Beleno. Ambos os nomes gerados por atributos similares.
O nome de marta a etimologia clássica relaciona-a com o proto-germânico *marþuz, protoindo-europeu *martre "noiva".
Mas noiva de quem?
Ao igual que entre os tantos nomes da doninha ou deluzinha (onde aparece a luz o brilho destelho que a intoxicação com velenho produz), onde há também uma ideia de feminidade nova: doninha.
Aqui então, segundo isto, marta zibelina poderia estar a falar da "noiva do cão (de) Beleno". Onde haveria que citar a palavra para a divindade céltica de Belisama.
Animal, marta, que lendariamente representa o gerado polo velenho, a ferocidade, a voracidade, o presente irreflexivo: "Morra a marta, morra farta", a marta entra no galinheiro mata tudo, bebe, suga o sangue e fica a dormir entre os cadáveres entrado o dia, não apenas no imaginário, mas na realidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário