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O caso de Marce e do Verbo.

 

Este é o plano cadastral nas proximidades da aldeia de Marce na freguesia de São Tiago de Vilar de Ortelhe (Pantão).
Nele pode ser observada uma estrutura de caça, um cousso, com diferentes evoluções:


Como em tantos outros casos analisados, no bico costuma aparecer um local religioso, neste caso a Capela de São Martinho. É relevante que o curro posterior ao beco, a aldeia, leve o nome de Marce, como  genitivo de Marcus, Marci.
Nestes coussos já se tem mostrado que as advocações têm relação com a funcionalidade do lugar. Neste caso São Marcos, que para a etimologia latinista seria um derivado de Marte.
Sobre Marte e Martinho e os equídeos, tem-se desenvolto neste blogue, em diferentes escritos, uma ideia diferente que seria tal que: Marcos não derivaria de Marte, que ambas as palavras seriam a expressão da mesma ideia, uma no galho itálico e outra no galho céltico:

A etimologia do latim Mars (Martis) antigo latim Mavors vai dar a um proto-itálico *Māwortis.
Com palavras do tronco céltico para nomear equídeos:
Gálata: μάρκαν (márkan)
Gaulês: markos.
A confrontar com o proto-germánico *marhaz.
Todas as formas de um hipotético protoindo-europeu: *márkos.
A ideia poderia ser que égua, cavalo, teriam um nome tabuado, como é frequente no protoindo-europeu,  *mar-kos, seria um epíteto, com a possibilidade de ser algo assim como "da *mare, do *maro, da *mara".
Podendo ser "da mãe", como animal consagrado à divindade feminina?


Segundo este fio etimológico e segundo a funcionalidade do curro posterior ao beco do cousso: Marce, poderia significar "do cavalo", de um hipotético genitivo galaico *marki, cognado do gaulês markos. E a escolha do orago como São Marcos, poderia vir determinada pola divinização do animal "São Cavalo".

Relevante é o nome de Ichó, que é uma palavra patrimonial, uma armadilha para caçar páxaros, uma trapela sobre um buraco na terra.
Pardal foi tratado noutros escritos como topónimo associados a estas estruturas de caça.

Para reparar finalmente no Verbo.
No carro de bois trasmontano, barbião, berbião, burbião é o madeiro no que, na parte anterior e posterior do carro, entra o espigão das cancelas que limitam, fecham o tabuleiro.
Berbião é nome para o estadulho ou fueiro, especificamente para os dous estadulhos dianteiros e os dous estadulhos traseiros, com o cognato asturiano berbión que também dá nome aos fueiros.
A confrontar com barbeito no significado de valo.
Barbetio como terra em pousio, ou como terreno agrícola, teria a sua origem em vervactum, do verbo vervago.
Barbeito como nome do valo, poderia ser um deslocamento do significado da palavra. Ora, aqui é proposta outra origem, que estaria associada a paliçada, sebe, estacada, e a esta família do barbião.
De entre os significados de abarbeitar, estes:
- Copular a fêmea com o macho, sobretudo no gado vacum e equídeo
- Emprenhar com a prontidão precisa uma vaca, parindo um vitelo cada ano
Entenderiam-se desde a explicação de Plínio o Velho, de vere + ago "guiar à primavera"?

Outra palavra mais para pôr neste conjunto é berbonta "broto, vergasta de uma árvore".
Estas palavras de paus, em geral na Gallaecia paus fortes, excepto berbonta, teriam a ver com o latim verber "chicote, vara, correia da funda de arremessar pedras".
O lituano ajuda a perceber o conjunto com a palavra vir̃bas "vara, ramo, bastão".
A palavra mais central de este grupo poderia ser a proto-eslava *vьrba "salgueiro". De um proto-balto-eslavo *wirb- "virar, girar, torcer".
Sobre o salgueiro e a sua relação etimológica com a vedação pode ser lido o escrito "Cortiças".
Outra palavra relevante para juntar com estas seria a asturiana güerbu, que em distintas zonas tem os significados de "lenha fina / ramo seco para prender o lume, lenha grossa / raminhas finas para o lume, tição".
Então o topónimo o Verbo neste lugar poderia ter relação com uma paliçada viva de salgueiros ou com o lugar onde está a volta?


Outro Marce:

Marce de São Vicente de Coeo (Lugo).
Pode ser observada a forma incompleta do cousso, do que ficou a parte oeste.
O seu outro lado "comido" por uma chousa nova, toponimicamente Chousa do Barredo e Chousa Nova. Mas quanto de nova é a Chousa Nova? É nova a respeito do antigo cousso, mas seria a meu ver também uma construção neolítica:








El Marce, na freguesia de Llavandera (Xixón).





Vilamarce de São Pedro de Santa Comba (Lugo).











Marque entre as freguesias de São Miguel de Moreira e Santa Marinha de Ribeira (na Estrada).




Marcela de Santa Maria de Silvela (Friol):


O Marquinho de São Jião de Lardeiros (no Pino).


Marcelhe com São Martinho na freguesia de São Martinho de Guilhar (Outeiro de Rei).
Aqui como foi indicado etimologicamente anteriormente, aparece associado o *marko com o Martinho.

Marcelhe de Santa Maria da Torre (Vilalva).



Marcelhe de São bartolomeu de Ínsua (Vilalva).
Neste caso como no anterior aparece o topónimo Merlão, já tratado neste blogue, com ideia de boca, lábio, no escrito sobre Sálvora.
Boedos, este caso já foi analisado noutros escritos: na etimologia mais divulgada galega Boedo é referenciado como topónimo de lugar alagadiço, branhento, mas não há que esquecer a definição do dicionário da Real Academia Galega do 1913-1928:
Establo, majada donde posan bueyes.

Marcelhe na raia entre São Tiago de Meilão e Lugo .
Entre os nomes relevantes:
Penela do Vento é transparente, Vento foi analisado noutros escritos, tendo relação com venda, pousada, lugar de reunião de pastores e gado (nos Coussos).
 E também o aparentemente duplo Carreira e Rosende
Carreira é transparente, que costuma nomear antigos caminhos, no caso de Rosende a etimologia aqui proposta de -sende:
...a etimologia mais divulgada considera uma partícula a fazer parte de antropónimos germânicos, e que neste blogue foi mostrada a possibilidade de serem de um estrato linguístico ancestral:  protoindo-europeu *sent-, proto-céltico *sentus "caminho, senda"...
A partícula ro- de Rosende poderia ter a ver com o protoindo-europeu * ḱr̥sós, *ḱers-  "correr", senda de correr ou senda do cavalo. Ro-sende poderia ser uma forma germânica, ou uma tradução germânica de Marcosende.
Confronte-se com Marcosende de São Mamede de Zamães / Zamáns (Vigo):

Marcorãos de São Pedro de Folhadela (Melide).



Topónimos Marco poderiam estar a falar do marco, esteio de pedra territorial, ou do marko, cavalo?



O Marco de Santa Maria de Sendelhe (Boi Morto) Marco de Arriba e Marco de Abaixo.


Agruchave

 


Agruchave na freguesia de Santa Maria de Donramiro (Lalim).

Agruchave faz parte de uma estrutura, no blogue repetidamente mostrada, que é um cousso, talvez evolucionado a granja (neolítica):


A toponímia pode observa-se que é condizente com a estrutura:
Com nomes como Cima da Regueira, sendo hipoteticamente regueira o rego, o fosso, externo ao valo que encerra a grande tapada.
Trás-do-Curro, sendo o curro: o cousso ancestral.
Puça do Barros, pode ter sido um poço de captura de animais no final do cousso. Barros não só é a terra argilosa, pode ter a ver com barra, barreira da passagem.
Sobre da Cerca, não necessita muita explicação. a cerca envolvente, o valo que encerra o cousso.
Estivadas Velhas, uma estivada é uma terra de cultura do cereal por roça, mas também uma estivada é o valo de terrões, também chamado estiva.
Relevante é o nome de Paço e a sua localização, co o noutros casos mostrados no blogue, este topónimo apresenta uma continuidade desde o palatio, paliçada, até o paço atual. um continuum que vai do local privativo e principal da caça, até o paço, casa principal de uma família terratenente.

Agruchave, semelha uma ligação entre agro e chave. Mas pode ser que o aparentemente evidente esteja a mostrar sem muito véu uma ancestralidade:
Agro nesta estrutura pode ser interpretado no seu significado ancestral, não apenas no atual de terreo agrícola:
Assim o protoindo-europeu raiz de agro, latim ager, *h₂éǵros "prado, campo" está formado pola raiz *h₂eǵ- "conduzir".
Entende-se então que esta paisagem explica as relações etimológicas, já que os animais caçáveis de rebanho, no final do Paleolítico, posteriormente pastoreados na neolitização, eram conduzidos, acurrados, para o cousso inicial, onde eram caçados, ou capturados; com o decorrer do tempo e o início da domesticação, os animais eram dirigidos para essa mesma zona, onde havia boa pastagem. Cousso paleolítico que virou em tapada neolítica:

Assim o *h₂éǵros paleolítico foi um inicial "lugar de condução" para posteriormente no neolítico virar em "pastagem, campo", pois o cousso de caça (depois tapada ao lhe ser fechada a boca) é um lugar  que encerra uma terra que atrai o rebanho herbívoro, onde há água, uma nascente, um erval.
Confronte-se com o grego antigo ᾰ̓́γρᾱ (ắgrā) "caça, captura, perseguição, aquilo que é caçado".
Confronte-se com o verbo latino aggero "transportar, levar para um lugar".
Esta estrutura de caça ou tapada explicaria a aparente duplicidade no latim entre ager "campo" e agger "valado, valo de terra"?

O segundo elemento de Agru-chave, chave, desde uma etimologia latinista:
Poderia derivar de clavis "chave", de um protoindo-europeu *kleh₂w- "prego, alfinete, gancho".
Poderia derivar de clavus "prego, cravo" de um protoindo-europeu  *kleh₂w- "capaz de fechar alguma cousa".
Poderia derivar de clava "clava, cacete", de um protoindo-europeu *kelh₂- "bater, quebrar".

O cravo latino clavus *klāwos, e o "cadeado, ferrolho" proto-céltico *klāwo teriam uma raiz comum, com a ideia de fecho e fechar.
Do proto-céltico matasóvico *klāwo, há as formas gaélicas cló "cavilha, caravilha, prego", o galês clo "cadeado, impedimento; freio travão" (confronte-se com o galego choio "paus, travões, para frear o moinho"); o bretão klao "aparelho, charrua, chave".
Confronte-se com os verbos choer / chouver / choir / chouvir.
Confronte-se com o francês antigo clos "área fechada por muro, valo, sebe, fosso", que é feito provir do latim clausus, e atendendo a este fio poderia ser de um hipotético gaulês, do proto-céltico *klāwo.

Então igualmente que no caso de agro *h₂éǵros, a hipotética raiz protoindo-europeia, neste caso mais concretamente proto-céltica e proto-itálica *klāwo, explicaria o segundo lexema de Agruchave.
Ficando uma raiz tal que:  *h₂éǵros-klāwi "lugar de condução do encerramento / pastagem do cerrado".



Outras hipóteses publicadas para explicar Agruchave derivariam-no de ager flavi "campo flavo, amarelo".
Para a antroponímia, Agruchave derivaria de Ager Flavii, "Campo de Flávio".


O Agrochaíl de São Cosme de Pinheiro (Cedeira):


Aqui pode ser observada a toponímia já analisada como: Beco no beco norte, Vinha de Paços, a semelhança do Paço de Donfreão ocupando um outro beco, neste caso o sul; Tarreo do Muro, como possível cerrado da boca de entrada. E o Corveiral.

Agrochaíl seguindo a base protoindo-europeia de Agruchave *h₂éǵros-klāwo, seria um *h₂éǵros-klāwo-elis, sendo *-elis (latim -ilis) um sufixo adjetivador ou de relação.