© Copyright. Direitos autoriais.

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O carro, desde um aqui alargado

 Debulhando o carro (mas não de como "quem repartiu quijo/ quis levar a melhor parte").

A etimologia clássica deriva carro do latim carrus, por sua vez apanhado do gaulês  *karros, do proto-céltico *karros, do protoindo-europeu *ḱr̥sós, *ḱers-  "correr".
Então o carro é ligado com o correr *ḱr̥sós, *ḱers, e com o cavalo germánico *hrussą.
Aqui vai-se propor outra origem.

Uma pequena introdução com uma foto, uma imagem vale mais que mil palavras, e uma divagação que tratam de mostrar que há um outro paradigma para interpretação da realidade

Tirado de "Fotos para as mil historias de Carral" de Carlos Lorenzo Pérez, intitulada "Pasando o caínzo. 21 abril 1957".

A forçada e única interpretação do passado como invasionista está espalhada na maior parte dos estados europeus, e no tal chamado Ocidente. 

O invasionismo como cosmovisão (ou unica visão) entra dentro dos chamados mitos de legitimidade.

Cada um dos diferentes Estadinhos, com os seus respetivos estados mentais populacionais, legitima os abusos de hoje, e sobretudo do passado, que criam e criárom os seus Estados atuais.... porque já (mitologicamente) os seus ancestrais entravam em relação com o diferente: invadindo-o.

Eis o porquê da idolatria da Roma. Dos yamna já se falará quando passe tempo e seja possível refletir sobre o presente doloroso do seu tal berço...

O Estado, graças a este mito, tem o parabém do povo para "eliminar, transformar, civilizar" o distinto, o diverso; está legitimado.

E seguindo o caminho ilógico eurocêntrico: o ser humano nunca é invasor por cultura (ou por adoutrinamento do Estado) é invasor pola sua própria natureza humana.

O mito legitimador do invasionismo, apaga mesmo a ideia de que a alteridade seja um valor humano existente, natural. 

Alteridade que as gentes europeias, as ocidentais atuais, não costumamos levar no pacote de ideias-conceitos, sobretudo polo perigosa que é ao invalidar o capitalismo.

O mito de legitimidade invasionista alicerça o fascismo.

Ocidente é intrinsecamente fascista, entre outras razões porque o mito de legitimidade invasionista implantado na sociedade a través do ensino e de todo o aparelho de nacionalismo banal que nos fazem sugar, cria pessoas culturalmente supremacistas. Cada individualidade ocidental temos que lidar com a nossa pessoinha fascista interna.

É de tal tamanho o mito do invasionismo, que qualquer pessoa ocidental vai ter muita dificuldade em virar a percepção heroica de feitos da história que levárom, e ainda levam, a que o seu Estado governativo e o seu estado mental existam, no que realmente esses feitos têm sido e são, desde o invisível epistemicídio (palavra que ao carecer dela, o feito, o conceito, é inobservável) até o apagado genocídio.

Neste texto o corretor sublinha em vermelho várias palavras, o que quer dizer que são palavras erradas, ou que não existem, entre elas:

Invasionismo.

Epistemicídio.



(Tirado da página de Rubillón (Avión). Desenho do etnógrafo Xaquín Lorenzo, no seu História de Galicia, publicado em Buenos Aires no 1962.
1: Fungueiro, 2: Cheda, 3: Chedeiro, soalho, mesa, leito, 4: Eixo, 5: Coucilhão, 6: Gueifas, treitoiras, 7: Tufo, 8: Tesoiro, cadeia, 
9: Pecho, 10: Cabeçalha, 11: Chavelha, 12: Camba, 13: Olhal, 14: Relha, 15: Mil, 16: Lâmia.


Então imos ir vendo que, já entrando no carro, na ancestralidade do carro:
Cheda, cada uma das duas pranchas laterais do carro de bois, o mesmo chedeiro ou leito do carro. Carro côncavo trasmontano para transportar bocois.
Proto-céltico *klētā.
Talvez aparentado com o galês clud "transporte, carga, pacote, equipagem; riqueza, lucro; viatura"?
Cheda com o cognado do provençal antigo cledo, "barreira movível semelhante a um caniço/cainço, caniço/cainço para secar castanha, caniças/cainças, ladral ou taipal de carro de bois".
O occitano cleda "ajustament de tavèlas entrecrosadas utilizat per far de clausuras o de supòrts per far secar de fruches, ridèla de carreta. Portal mobil que barra un prat".
E o catalão atual cleda "vala, sebe, caniça; curral, espaço cercado, malhada;  figuradamente casa, fogar".
No aragonês cleta "cancela, vala desmontável para fazer malhada".

Seguimos com o francês claie "estante de vimes; gradeado de sarrafos, vala formada por latas ou ripas entrecruzadas; caniça ou sebe".
Com o galês clwyd "sebe temporária, vala móvel; zarzo ou caniço coberto de barro que serve de muro ou parede; gradeado que serve de gelosia; espécie de estante; grade de lavoura; cancela; cama; gradeado no galinheiro onde se empoleiram para descansar as galinhas; gradeado sobre o que vai o colmo do teito, o mesmo teito/teto; (figuradamente) proteção, defesa".
Com o córnico cluit "sebe, cancela feita de vime trançado a jeito de caniço/cainço; o mesmo cainço, caniço usado para achaiar, aplanar, a terra agrícola".
No bretão kloued / klwed "barreira; taipal, ladral, grade de lavoura".
No gaélico escocês cliath "grade de lavoura; grade, grelha, gelosia; forte paliçada para proteger o gado; vala móvel; cerzido de costura; armação do carro agrícola para transporte de feno ou palha; cardume".
No gaélico antigo clíath "vala móvel, caniço / cainço que serve de vala, porta ou cancela; sebe tecida, paliçada; espécie de cama ou maca; cama de druida onde recebe conhecimento; estrutura ou armação do escudo; conjunto de remos de uma embarcação; armação do peito de um animal, caixa do peito, conjunto do esterno, costelas e espinha dorsal, tórax ..."
Poderia ser relacionado com o significado talvez mais ancestral de leito na cultura galega "armação de madeira, ferro ou vime, que sustenta o xergão".
O que poderia levar à hipótese (celta)-p/(celta)-q *plētā / *klētā. Confronte-se com o antigo eslavo eclesiástico: plětǫ, plěsti "linho, caniço, zarzo, trança, entrelaçado, entretecido", com o proto-germânico *flehtaną "trançar, tecer". Ou com o galês plaid (sinónimo de clwyd) que entre outros significados tem os de "caniço, estrutura móvel que serve para dividir feita de de hastes ou ripas entrelaçadas, sebe...".
Nesta ideia de cama, também está o úmbrico kletram "feretrum, lectica", féretro, liteira, padiola.

Também estariam as línguas bálticas com as palavras klēts do letão, klė́tis no lituano "celeiro; quarto de dormir das meninas".
Do porquê de celeiro, esta imagem ajuda:
Isto é chamado de cabaço e mais caniço.

Talvez este espaço vedado que leva em si a raiz *klētā (confronte-se com o catalão cleda "espaço cercado, curral, figuradamente casa, fogar", o galês clwyd "proteção defensa") ajudaria à percepção das palavras enxido, eixido, já nos tempos medievais com o significado do conjunto das terras agrícolas de uma herdade ou que pertencem a uma casa, e hoje mais restrito a horto da casa.
Onde a vedação, defensa desses terreos de horta, é ou teria sido, uma sebe de cainços (uma sebe três anos, um cão três sebes, um cavalo três cães, um home três cavalos, um corvo três homes).
Confronte-se que cheda tem variantes de chede, enxeda, eixeda e aixeda. de um hipotético *enklētā.

Poderia ser aceitado que a primária *klētā proto-céltica fosse um cainço / caniço, uma estrutura de varas trançadas?

Foto tirada do Atlas Etnográfico de Vasconia, cainço da lavoura, de nomes bascos variados, entre eles hesia, narra, narrie, narria trapea, zestue, estue.

Então podemos ir observando outra vez a foto que apaga o epistemicídio?

E podemos ir confrontando-a com esta outra por exemplo:

Travois da Bibliothèque et Archives Canada em Otawa.

Ou com esta:

Corça da Carélia.
Ou com esta:

Rametu, no Centro de Interpretación del Parque Natural de Ponga, em San Xuan de Beleñu (Ponga nas Astúrias).

Esta outra mais:
Zorra, corça, rastro de Ngcobo (África do Sul). Os rastos são mais eficientes que os carros de rodas nos terrenos onde não há caminhos.


Mais:

Petróglifo do Castrinho de Santa Maria de Conjo (Santiago de Compostela). As saliências laterais à cheda interpretam-se como rodas, ainda que poderiam ser barones, calzes, calzadures ou cociyones, nomes asturianos dos "esquis" do carro de arrasto.

Gravuras no Vallée des Merveilles no lugar de Fontanalba , nos Aups Maritims, Alpes marítimos da França.
Onde é possível vermos uns bovinos arrastando caniços, grades ou corças. no meio deles.

Corsa, no Museu de Fotografia da Madeira - Atelier Vicente’s.

O que ajuda a perceber as formas "em zetacismo" corça galega e corza asturiana, e o relacionamento do carro sem rodas corsa/corça/corza com o protoindo-europeu *ḱr̥sós.
E mais também o sânscrito? Com कोटिश (koTiza) "grade de lavrança"?

Assim o paradigma tido por certo do protoindo-europeu:
*ḱr̥sós, *ḱers-  "correr"   *karro "carromato" / *hruss "cavalo".

No âmbito do aqui alargado teria sido :
*ḱr̥sós, *ḱers-  "correr" *korsa "corsa, arrasto" / *korço "corço(1), corcel". 

Onde é que fica no galego a ideia de entramado da *kleta proto-céltica:
Erva-chedeira / erva-chideira (Convolvulus arvensis), a corriola:


Da cheda ao carro, da *klētā ao *ḱr̥sós?
Um nome chamativo do carro é chaço, como carro velho, decrépito.
Também chaço é cada barrote que compõe o chaceamento, o chaceamento é a armação do teto.
Chaço também é uma parte da roda do carro de bois:
Tirado de “Conversa de bois”: uma fábula de João Guimarães Rosa, Por Alexandre Veloso de Abreu.

Outros significados de chaço:
Chaçarelo: espécie de régua ou esquadro dos carpinteiros.
Pôr aqui a palavra asturiana chazu que entre outros significados tem o de temão do arado.
Chaço: cunha de madeira. Isto ligaria o significado de chaço com o couce (coucilhão), com o calxcalcem latino "talão, calcanhar, sola", com a calza e calzadura asturianas.
Esta ideia de cunha, couce, calza, como lugar do maior roçamento, levaria a aproximar chaço com o gaélico cluasag "chumaceira / coucilhão do carro", que etimologicamente é relacionada com cluas "orelha, asa, ângulo, canto, margem, casquilho de coiro onde gira o eixo da roca de fiar".
Cluas é derivada de um proto-céltico *kloustā "orelha". Confronte-se com o que são as orelheiras, aivecas, do arado.
Para a etimologia clássica portuguesa chaço derivaria das hipotéticas formas latinas *platĕus e *plattus, por sua vez do grego πλᾰτῠ́ς  (platús).

Podemos confrontar chaço com o proto-germânico *kradô  /ˈkrɑ.ðɔːː/ "cesto".

Petróglifo de Pedra Ancha em Buxantes (Dumbria). Foto tirada do jornal La Voz de Galicia.

Então tudo isto é para dizer que nos petróglifos galegos as saliências que mostram os carros poderiam ser as rodas, ou os paus fortes, sapatas, cociyones, sobre os que se deslizariam os primitivos carros de arrasto sem rodas.
Ou seriam asas? Para dar apoio, "dar cheda" já em tempos neolíticos (dar cheda: arrimar o ombro a esta para ajudar à junta. Empurrar o carro por detrás da roda).

Seja de um jeito ou doutro essas saliências de serem rodas deveriam ser paralelas à marcha.
«Боярыня Морозова» Boyarina Morozova, de Vasily Surikov.

Então a saliência, orelha, chumaceira, cunha, chaço, forra, seria uma peça tipo sapata, calza, calzadura no asturiano.?
Seria como o coucilhão do carro uma peça de desgaste que poderia ser trocada, uma peça em madeira dura, por exemplo um torgo de urze, a raiz da urze.
O coucilhão, a chumaceira, as treitoiras são os lugares de roçamento do eixo da roda.
Coucilhão e variantes derivam de couço ou couce, na ideia de espigo superior e inferior das portas, onde se produz o roçamento; extremo, ponta. Cognato do cociyón asturiano:
Cada un de los dos llargueros recambiables sobre los que ye arrastrada la narria. Troncu desbastáu que permite el deslizamientu del ramu.
Ramu é um dos nomes que tem o carro sem rodas, o rasto, nas Astúrias; ramu porque é a forma mais simples de carro de rasto; e mesmo com um grande ramo, ou vários ramos, é feito o labor de acainçar, passar o cainço para achaiar o terreo.


Slovenščina: Brana s črnim trnjem, Markovščina.

Petróglifo do Castrinho de Santa Maria de Conjo (Santiago de Compostela) outra vez, para abrir a uma ideia do que estaria a representar.



Basna ou basná do Museu etnográfico de Cantábria.

Poderia então estabelecer-se uma relação entre chaço e o gaélico cluasag?
A hipótese para chaço seria uma forma talvez *klatho. Confronte-se então que falamos do ramo com o grego antigo κλᾰ́δος (kládos) /ˈkla.ðos/; do proto-helénico *klə́dos "ramalho de oliveira ou loureiro usado em ritos religiosos; vergôntea"
Pode ser observada uma relação entre o proto-céltico *klētā  "caniço, varas entrelaçadas" e o proto-helénico *klə́dos "ramalho".
Aqui estaria o sebo-croata klada "tronco" e toda a família eslava de significados semelhantes, macedônico клада (klada) "estaca, pilha de troncos, tronco".
Aqui poderia estar ligado o proto-germánico *krattaz, *krattijô, *kradō, que teriam gerado o inglês cart "carro de bois", numa ideia de que inicialmente essas raízes significárom cesto, talvez varas trançadas, como aqui é intentado mostrar na relação entre o cainço e a grade e o primeiro veículo de tração animal.

Foto de grade / grada da página do Museu Etnográfico de Eslovénia.




Estas todas imagens e relacionamentos não alicerçariam a etimologia mais divulgada do latim cratis "grade", e ligariam a grade, cratis com a raiz do céltico *klētā, do helénico *klə́dos e do germânico *kradō.
O quê a cratis romana significou:
Estrutura feita de vime;
Tapume, obstáculo;
Espécie de grade de lavoura;
Faxina, feixe de paus que serve de cobertura para atacantes, os escudos interligados para defensa;
As costelas de um escudo, a caixa do peito;
Os favos de mele.

Estará esta quádrupla *klētā / *klə́dos / *krado / cratis aparentada com carro?
Chaço / chazu : *klado, numa sequencia tal que chaço  charro /charrua ↔ carro?
Com toda a panóplia, pompa e função do rei neolítico.
Confronte-se que se a cheda vem da ramalhada trançada, ou do ramalho, o carro poderia ter como parentes palavras relacionadas com galhos vegetais, como poderiam ser:
carrasco, carrasca "azinheira nova, urze, carqueija, codesso, zambujeira, árvore nova enramada; grade de ramos de carvalho"
carrascar "gradar com carrasco"
carroucha "urze; azinheira, carvalho ainda pequeno"
carrocha / carranqueira "tronco com muitas raízes ou galhos"
carrocho "ramagem para o lume"
carraina / carramolo "vara de videira com muitos cachos; ramo de árvore carregado de fruta"
carriço "junco; espécie de tojo"
carriça "arbusto flexível que medra entre o tojo, atadura, atadalho dos sarmentos"
carrancha "espeque, esteio"
carrouceira "mato, matagal de árvores novas ou pequenas"
carrelha "espécie de carrasco"
carreira "lata, sarrafo que forma a estrutura do teito; trave de telhado".
carrascalho "grade feita de ramos"
carrasqueira "grade, caniço, zarzo, estrutura feita de varas entretecidas".

Vão agora umas quantas mais palavras asturianas:
carra: cesto de grandes dimensões; carraliegu "cesto".
carrachu "lenha miúda sem folha para iniciar o lume"
carramiella "ramo com muita fruta"
carranclas "andas, pernas de pau"
carrapochu ; carrouba; carroubana "raiz de urze"
carrascu "árvore nova, arbusto"
carreta "grade para acahaiar o terreo"
carrión "travessa do carro de arrasto, sobre a qual se desliza"
carruceiru "espinho"
carrochu "lenha de ramos secos"
De todos jeitos nas Astúrias carrenha, carretón, carretu, carrieḷḷa dão nome ao rasto, ao carro sem rodas.

No castelhano:
carrasco "mato de azinheira, azinheira pequena"
garriga "azinheira pequena"

No basco:
akar: "chumaço do eixo do carro; bode".
Na zona vasconça:
acarró / askarro: "pradairo, bordo (Acer pseudoplatanus)"

No aragonês:
acarrón "dente do arado, relha"
carrón "grupo de feixes de cereal apertados para formarem faxina, escaramujo do silvo-macho"   
carronera "silvo-macho, rosal-silvestre"
escarrón, izcarrón "pedrairo (Acer pseudoplatanus)"

No catalão:
garric "azinheira"

No occitano:
garric "carvalho"

No berber:
ⴰⴽⵔⵔⵓⵛ  (akrruc) : "carvalho"
akarrus: "matagal de carvalhos"
ⴰⴽⴰⵔⵔⵓ (akarru) "carro"

Então as palavras carrasqueira carrascalho, carrasca e carrasco, levam o significado direto de grade ou caniço da lavoura; ligariam com o carro sem rodas, e todas estas outras palavras de lexema carr- apresentadas, poderiam estar a receber o nome pola sua funcionalidade no carro ancestral de arrasto, e estariam a ligar o carro com os arbustos ramosos que conformam um cainço ou grade ancestral, o primitivo leito a *klētā.
Por outra parte as formas com lexema karr- que nomeiam o pradairo, o acer, estariam a indicar o seu uso no carro de arrasto pola sua dureza como chedas.
Isto ligaria as divergências do protoindo-europeu e céltico *kar(r)- "pedra" com *kar(r)- peninsular, "nomes de arbustos / árvores duros / pedra" e com o *karro.
Este lexema karr- abre a porta a perceber a carva e o carvalho desde um céltico *karr(a)-bo, (dativo ou preposicional), talvez "para o carro", confronte-se com o gaélico craobhógcraobh "ramalho, árvore, carvalho". Para confrontar com o gaulês carbantos, palavra apanhada polo latim carpentum "carro de dous eixos", com parentes como poderia ser o lituano kar̃bas "cesto".

Teria sido o primário carro uma zorra de patins, chedas de carvalho ou pradairo/pedrairo sobre sapatas da mesma madeira ou raízes de urze e um leito ou mesa de caniço feito de varas de arbustos, ou feixes apertados de ramos?

Esta ideia de que o leito do carro com rodas, e anteriormente sem rodas, uma espécie de caniço, foi um tecido de varas, aparece também no latim cisium, um carro de um só eixo e puxado por um só cavalo. Cisium foi palavra apanhada do gaulês cission com o mesmo significado, "caro de uma só besta", com parente no gaélico escocês ciosan "cesta", ceis "cesta", ceiseag "cesta e vala movível" e no irlandês ciseán "cesta" e cis "cesta, galhos entrecruzados para fazer o chão de um caminho".





Depois de tudo isto, é mais fácil perceber a origem da zorra, nome do carro de arrasto, espécie de trenó, que acabou dando nome aos carros de dous eixos?


As zorras foram até há pouco, carros de bois ou vacas de dous eixos, com rodas e eixo baixos, mas antes do de que carros de rodas foram, são trenós.
Que tem a ver o trenó com a zorra?
Tendo por certa, ou quase certa, a relação etimológica entre zorra como nome da raposa e dos seus atributos e derivados entre eles o coiro, o seu pelejo, os foles...
Os esquis para o seu deslizamento inferiormente vão forrados de pele, a norte em pele de foca ou em pele de cabra, não totalmente, rapados do seu pelo. A fibra do pelo nos coiros destes animais nasce orientada "aerodinamicamente" ou "aquadinamicamente", no sentido do avanço, o que lhes permite, aos terrestres, passar por entre mato espinhoso para diante, sem que os seus pelos enredem na matogueira.
Esta orientação evita, nos esquis, que deslizem em sentido contrário à marcha, o que ajuda a subir pendentes...
Seja como for, os esquis antigos vão forrados de coiro aveludado, com pelo rapado, que de um jeito ou outro fazem menos roçamento na neve ou geo do que a madeira, que tem de ser bem polida.
A onde nos leva isto?
A que uma palavra velha, numa zona na que não há já invernos que precisem de trenós, nos fale dum tempo no que sim se necessitavam.
Quanto tempo é isso?
Vinte mil, quinze mil anos, naquele tempo no que o casquete polar, de inverno, quase chegava à atual Galiza?
(Isto anterior está mais desenvolvido no escrito "Futre").
http://ilustradosasociados.com/Prehistoria%20Html5/contenedor.html

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Do mistério do caniço / cainço? Ou da sua evidência?

Caniço é transparente por ter a palavra cana em si.
Cana que além da canaveira, é nome também para qualquer galho ou ramo, cognato do asturiano caña, com muita vitalidade nesta língua, por exemplo nas zorras ou corsas/corças/corzas a caña é:
Cada una de les dos pieces llaterales, ximielgues, del brazuelu del carru, que se unen en la parte delantera, formando la llanza (as chedas).
Llanza del carru (a cabeçalha).
Llechu del carru (mesa, leito, chedeiro).
Cada un de los dos varales situados encima de les calzadures de la narria.
Assim cañizu significa:
Madera procedente de les cañes del árbol
Caxa de vares entretexides pa secar les castañes
Texíu de vares empleado nos teyáus.
Texíu de vares pa los costados del carru. O pa facer la caxa mos extremos elanteru y traseru.
Texíu de blimes encima de la llarera
Instrumentu, especie de trillu, empleáu pa desmenuzar los terrones nes finques de cultivu.
"Uz  (Erica cinerea)"

Cainço / caniço / cañizu poderiam estar aparentados com o gaélico antigo caince "galho, ramo, ponla" entre outros significados, e também com o galês cainc e ceingen "ramo, estaca" entre outros significados.
O sânscrito ajuda a percebermos a produtividade da raiz:
कणीचि ( kaNIci) "carro de tração animal"
कणीचि ( kaNIci) também dá nome a:
-Uma determinada planta trepadeira, enredadeira, de flores chamativas.
-A ervilha-do-rosário (Abrus precatorius) uma ervilha que é uma liana perene da Índia, distribuída por zonas tropicais e subtropicais do planeta.
-Um determinado som.
Esta aparente distância do significado de "som" com as ideias de planta que serve para ligar e carro, aparece também no gaélico, onde caince é um canto determinado de uma ave, uma melodia, uma melodia base ou principal.
Terá a ver com o ritmo do caminhar do boi ou cavalo, com o chiar do carro chião, ou da chiola, que outra vez dá nome ao carro e ao rasto, ligando a carretagem com o canto?


O paradigma da origem do carro tecnológico está construído com um alicerce da Estepa como berço, ligado ao germano-centrismo.
*ḱr̥sós, *ḱers-  "correr"  ↔ *karro "carromato" / *hruss "cavalo".
Ora o cart "anglo-saxão" que derivaria segundo este hipótese de *ḱr̥sós "correr"  ↔ *karro ↔ cart,  noutros estudos etimológicos é associado também com caniço, cesto, tecido de varas, proto-germânico *kradō (*krattaz, *krattijô):
Neerlandês medieval cratte "gradeado, esteira, cesta de vime"
Alemão Krätze "cesto".

Então poderia ser feita uma diferença em dous grupos, grosso modo, das raízes que geram o conceito carro nas diferentes línguas indo-europeias:

- Um grupo de palavras para o carro nasceria do conceito do caniço, entramado de varas, de um substantivo concreto, como foi sendo apresentado anteriormente.
Esta armação em zarzo, seria a maneira de conseguir uma forma plana, resistente e ligeira, com pouco trabalho.
Cana: caniço/cainço: कणीचि ( kaNIci)
Cisium(la) / cission(cel) "caro de uma só besta": ciosan(gd) "cesta", ceiseag(gd) "cesta e vala movível".
*Klētā  "caniço, varas entrelaçadas": cheda "carro" / cluit(nl) Caniço"
*Kradō (*krattaz, *krattijô): cart(en) "carro" cratte(nl) "cesto"
*Karros: carrasca "grade" / carraliegu(ast) "cesto".

- O outro grupo de palavras para o carro nasceria de um conceito abstrato, de mover, transportar, de um verbo.
*ḱr̥sós, *ḱers-  "correr"  *korsa "corsa, arrasto" / *korço "corço(1), corcel"
*Hreth₂ "correr" ratas(fi)ratis(lv) "roda e carro"
*kʷel-  "rotar"  kokale (tocariano B) / кола(mk) (kola) "carro" / wheel "roda".
*weǵʰ- "transportar"  Wagen(de)féan(ga)vežìmas(lt)vůz(cs), वाहन(sa) (vā́hana) "carro".
ⵜⵜⵓⵍⴷⵉ- (ttuldi) "ser puxado"  ⵜⵓⵍⴷⵉⵜ (tuldit) "carro".




(1) A etimologia latinista faz derivar corço de curto, por ser um animal de rabo curto.
Na sequência: curtus latino, *curtius do latim vulgar, forma não atestada, que teria gerado corço.
O aqui proposto é que corço é palavra que vem diretamente do protoindo-europeu, e nada teria com ter o rabo curto e sim com a caraterística de espécie que é a carreira e agilidade:
Corço: brinco, pulo, salto.
Corcelear: correr muito, andar muito de um lugar para outro.
Corcear: andar a cavalgadura aos brincos.
Asturiano:
Escorza: carreira fadigosa, grande caminhada.

Gondarém?

 Este escrito é uma adenda ao escrito "Gunduriz e semelhantes":

Esta é uma image do hipotético cousso ou granja neolítica de Bertamil na freguesia de São Tiago de Emtre-ambas-augas (Guntim).

Sobre o nome de Bertamil, já neste escrito se tem reparado: Com cognados no galês e córnico perth / berth,  de um proto-céltico *ku̯erku̯-t-, (protoindo-europeu *perkwus "carvalho") com o gaélico antigo ceirt; que teriam a ver com o latim quercus, e um protoindo-europeu *perku̯u.
Pokorny da a raiz protoindo-europeia u̯erĝ-1, u̯reĝ- "fechar, encerrar; curral".
Perth galês tem os significados de arbusto, espinheiro, sebe, mato, moita, bosque, matagal, campo rural.
O segundo lexema -mil, de Bert(a-a)mil, já foi analisado neste blogue, com ideia de juntança.

Os nomes do lugar são condizentes com a estrutura de captura: já também alguns deles analisados no blogue: Silva, Puço, Revolta.

O nome de Gondarém está num curral terminal, toponimicamente Curro, da estrutura de captura ou caça com a típica toponímia de base casa nos becos, na triplicidade capsa, caça, caça: Sobre-Casa e Caselhe.
Para a etimologia cássica galaica, Gondarém e similares como Gondarei derivariam do nome de uma pessoa, segundo a Infopédia:
Do baixo-latim [Villa] Gunderedi, 'a quinta de Gundaredo', através do português arcaico Gondarei, com a variante Candarei.

O lexema gond- / kond- também foi analisado neste blogue:

1.Poderia ser do grupo do latim contus e grego κοντός (kontós) "poste, estaca, chuço, aguilhada".
Sânscrito कुन्त (kunta) "lança".
2. Poderia ser do grupo do sânscrito कुण्ड (kunda) :
-Vasilha em forma de tigela, grande cunco, escudela; jerra.
- Buraco na terra, buraco na terra para fazer lume, buraco na terra para um ritual de consagração do lume; buraco para conter água, piscina, açude.
3. Poderia ser da raiz de esconder, latim condo condere "juntar; construir, estabelecer, fundar; esconder; concluir".
4. Poderia ser da raiz de gunda / munda como: rebanho, vedação, (hindi मुण्ड (muṇḍa) "vacas em grupo ou círculo / vacas ou grupo de vacas" / sânscrito मुण्ड (mund).

Talvez todas as hipóteses são uma só, e de um primeiro conceito "estaca / estacada", derivou a vedação paleolítica-neolítica de caça, dai ao rebanho guardado.

Outros nomes da família de Gondarém:

Gondareu em São Vicente de Noal (Porto de Oção (-om)), também como uma estrutura de captura, caça ou granja neolítica com currais posteriores aos becos.




Gondarei de Abaixo e Gondarei de arriba na freguesia de São Martinho de Meis (no concelho do mesmo nome).