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Segade de São Cristovo de Dormeã, com pequena introdução ao parcelamento agrícola do neolítico atlântico

 

Segade é um lugar da freguesia de São Cristovo de Dormeá (Boimorto) que nas fotos aéreas do 1956 apresentava esta imagem de acima.
A meu ver Segade está no meio de duas "cortinhas":
Essas delimitações retangulares de esquinas redondeadas, que frequentemente são encontradas nas partições cadastrais, por vezes levam o nome, microtopónimo, de Cortinhas.
Quase sempre dentro de uns rangos que são 175 - 200m de longo por 50 - 60m de largo:


Cortinha toponímica em Sexelhe da Regueira (Oça dos Rios)


Em Sexelhe além da Cortinha toponímica, podem ser identificadas parcelações similares.

Estas parcelas podem ser observadas noutros lugares, como no entorno de Stonehengue. A arqueologia inglesa deu-lhes o nome de cursus, por acreditarem que teriam sido lugares para corridas de cavalos, mas em certa medida são um enigma para essa disciplina.
Acho ajudaria a esclarecer o caso, se a arqueologia desenvolta na Galiza, reparar nelas.

Lesser Cursus (foto tirada de http://www.ancient-wisdom.com/cursus.htm) nas proximidades de Stonehenge. Corto e colo a tradução automática do site: The Northem Antiquarian:

Tim Darvill (2006) conta a sua história mais ampla:
“Nivelado por arado entre 1934 e 1954, o Lesser Cursus foi investigado em 1983 como parte do Projeto Stonehenge Environs… Três trincheiras foram abertas em diferentes partes deste grande monumento, mostrando que houve polo menos duas fases principais para sua construção. A Fase 1 compreendeu um recinto ligeiramente trapezoidal de 200m por 60m, cuja vala pode ter sido recortada mais de uma vez e em parte polo menos deliberadamente aterrada. Na Fase 2, este recinto inicial foi remodelado alongando toda a estrutura para leste em mais 200m. Esta extensão compreendia apenas duas valas laterais paralelas, perfazendo o todo cerca de 400m de comprimento com um fechamento retilíneo na extremidade oeste com entradas em seus cantos nordeste e sudeste dando acesso a um segundo espaço retilíneo, neste caso aberto para o leste.”

Saiba-se que Lesser Cursus tem datação do 3650-2900 aC.
A desaparição dos valos foi um processo recente durante a chamada revolução agrícola, o nomeado como: Enclosure movement, iniciando a que poderia ser chamada concentração parcelária e o reparto do comunal, com despossessão de aqueles camponeses que não pudessem adquirir terreno. Isto modificou profundamente a paisagem e quebrou a continuidade.

Voltando à longitude de este tipo de parcelamentos:
Conservou-se como medida na Inglaterra o surveyor furlong "rego longo de agrimensor", com uma medida exata hoje de 201,168m.
Na época medieval o surveyor furlong correspondeu à longitude de uma embelga, a longitude de uma partição do comunal para semear o cereal.
Como tantas outras medidas agrárias (jeira de terra, por exemplo, que é a superfície que ara uma jugada de vacas ou bois em um dia, bovada em época medieval...) o surveyor furlong é a distância que a parelha de bois ou vacas pode arar sem parar a descansar, de um golpe continuado de força.
O que leva a pensar num primário processo de arar com animais ainda semi-domesticados, que se punham a tirar até que paravam em por eles, não atendendo ao xô.
Isto leva a um pensar que já na altura do IV milênio, no Atlântico os bois já andavam ao jugo, e condiz na cronologia com o que é tida por primeira evidência do arado em em Bubeneč, (República Checa).
Esta medida do furlong poderia ser equiparável ao estádio do Império Romano 185m.
No galês e no irlandês antigo esta medida é aproximada aos 200m, variável, e ainda assim sob colonialismo britânico leva os nomes respetivos de ystad e stait.
Nos casos apresentados galegos acima, as duas "cortinhas", as de Segade têm uma longitude de um stadium (185m) e a Cortinha de Sexelhe de um furlong (200m).
As "cortinhas" como campos valados para serem lavrados, explica o porquê das cabeceiras redondeadas, o que aprimoram o aproveitamento da terra para dar a volta com o arado, e minimizam o espaço que teria que ser cadabulhado.

A largura destas cortinhas ou cursus na terminologia inglesa, varia entre os 50 e 60 metros.
A largura poderia ter a ver com a chamada "mão de semeado", que é a faixa coberta por semente ao ir sendo lançada polo sementador.
Segundo Marcos Celeiro, no seu texto sobre o ferrado, esta faixa tem uma largura de sete passos (sendo o passo de 0,7405 metros) a faixa de semeadura de 5,18 metros.
Assim a maioria das cortinhas teriam de largura múltiplos de sete passos, múltiplos de 5,18 m. Neste caso achamos medidas entre 50 e 60 metros, que fariam pensar em 10-12 faixas de semeado, como medida habitual de largura da sua estrutura.



Voltando a Segade de Dormeã, então poderia ser aberta uma hipótese etimológica:

Segade poderia ter sido um secati genitivo de secatus, particípio do verbo latino seco (secare) "partir, cortar", pois está na partição entre dous cursus, entre duas "cortinhas", em dous treitos / trechos de aproximadamente 185 metros de longitude. Segade, secati "do secionado".





Boi Louro

 

Boi Louro na freguesia de São Martinho de Bandoja (Oça-Cessuras).







Boi Louro de Bandoja, apresenta-se como um pequeno cousso de caça, talvez com dous níveis evolutivos. Abraça o vale do rio das Golfas.

Sobre a toponímia do grupo golfa / golf- já neste blogue se tem escrito, lançando a hipótese de que a sua origem teria sido na altura do protoindo-europeu:
Cortado e colado do escrito "a Ulfe":

A raiz das palavras para lobo, e não só, também para fera em geral, no proto-indo-europeu partiriam de *wĺ̥kʷos. No germânico *wulfaz onde há uma transformação da consoante k em f, talvez um prévio ph ou um anterior p?

Assim para o lobo haveria uma linha mais antiga: *wĺ̥kʷos.
Com dous descendentes:

- Uma linha Q: *wĺ̥-kos (confronte-se com urco ou o proto-eslavo*vьlkъ (vulku), sânscrito वृक (vṛ́ka) e वृष (vṛṣa).

- E uma linha P *wĺ̥-pos (confronte-se com volpe/golpe e lupus). É nesta linha P que *wĺ̥pos acabaria em dar *wĺ̥-phos e daí  *wĺ̥-fos (confronte-se com golfo e golfinho, com o gaélico escocês uilp, uilpean, uulp "raposo") e a linha germânica *wulfaz.

Estaríamos então diante de uma palavra com dous lexemas?
*wĺ̥kʷos: *wĺ̥ e -kʷos.

Assim palavras que dão nome à raposa, comumente concebidas como derivadas do latim vulpes, têm outra perspectiva como mais diretamente ligadas a 
*wĺ̥kʷos:
Urpe raposo em lígure.
Olp, volp, golp em lombardo.
Golpe no dialeto de Sena.
Gorba e orba nos dialetos marchigiani.
/w'o.lə.pa/ em Alatri no mesmo Lácio, berço do latim.
/y'o.lə.pa/ em Campobasso (Molise).
Gurpe num dialeto sardo.
Gulp, wolp, nas falas romanches.
⁠⁠Goupil⁠, ⁠gopil⁠, gopile, gupil⁠, ⁠gouspil⁠, ⁠woupil⁠, ⁠wupil⁠, ⁠houpil⁠, ⁠hopil⁠, ⁠oupil⁠, ⁠golpil⁠, ⁠volpil⁠, ⁠vulpil⁠, ⁠holpil⁠, ⁠houplil⁠, ⁠gourpil⁠, ⁠gorpil⁠, ⁠guorpil⁠, ⁠vourpil⁠, ⁠vorpil⁠, ⁠vurpil⁠, ⁠worpil⁠, ⁠horpil⁠, ⁠ourpil⁠, ⁠welpis⁠, ⁠guerpil⁠, ⁠verpil⁠, ⁠werpil⁠, ⁠virpil⁠, ⁠grepil⁠, ⁠colpil⁠⁠, no francês antigo.
Gaélico escocês uilp, uilpean, uulp.
E os já galegos volpe e golpe.

Para Pokorny a raiz *ol- [ol-(e)-] teria o significado de "destruir", e mas também ol- [el-1, ol-, el-] teriam o significado de "vermelho, pardo, castanho".
O lobo ainda a dia de hoje tem nomes tabuados.
Segundo isto *wĺ̥  -kʷos seria "o destruidor" ou "o apardado, o acastanhado", dando-lhe à raiz -kʷos uma função derivativa adjetival, latim -cus, proto-céltico -kos.
Daí que 
*wĺ̥kʷos poderia estar na raiz do nome de animais diversos ou mesmo fantásticos hoje, como o urco, a orca, o urso, o volpe, o golfinhoo lobo ... dá para reparar no nome de urca usado em Trás-os-Montes para a égua, confronte-se com o proto-iraniano  *(w)ŕ̥šā "animal masculino", ou com o proto-germánico *hrussą "cavalo".
Do mesmo modo que a besta é chamada de besta, também pudo ser chamada de *ulfa/*ulka, e no transmontano urca.

Então oĺ̥kʷos, oĺ̥ekʷos, eĺ̥kʷos elkʷos  / estariam na base do epos gaulês, do hippos grego, do equus latino, no celtibérico ekua-, e da iccona (Cabeço das Fráguas).
Confronte-se com elk no inglês, alce, ou com o proto-céltico *el- "ruivo, castanho" na palavra proto-céltica *elani; antigo irlandês: elit "corça / cerva"com variantes 
elit, ailit ailite, elt, eillti, eillte, eilit, eillti, elte, ellt, eillteadh. Galês: elain, eilon, alan "cervo".
Na escrita do S.O. (Bronze) alkuinterpretada 
(Koch 2019) como alce, como falcão, ou como lobo.
Este lexema el- para o cervo aparece em outros idiomas:
Arménio antigo: եղն (ełn) "cerva".
Grego antigo:  ἔλαφος (élaphos)
Línguas eslavas: *eleňь 
Lituano: élnias...

Todos eles, se quadra, nomes tabuados, condizente co protoindo-europeu "o pardo, o vermelho, o castanho, o ruivo"

Topónimos galegos de nome Ulfe costumam levar o artigo em feminino "a Ulfe", o que me leva mais a pensar que "a da besta" nome para qualquer equídeo, genérico, seria uma "tradução" de um conceito galaico arcaico expressado com a palavra na altura: a *ulfe.
Ulfe poderia ser genitivo, "da ulfa / do ulfo".
Seria pois a considerar que os topónimos da família de ulfe poderiam estar a se referir genericamente a um animal destrutor, uma besta, ou a um animal pardo, acastanhado, em nome tabuado.


Então neste caso do rio das Golfas de Bandoja, segundo a hipótese mostrada acima, estaria a dizer que é, era um rio das bestas, ou de qualquer animal selvagem, com possibilidade de ser caçado, daí a estrutura de cousso no seu vale.
Isto abre a ideia de que toponímia de base golf- poda ser interpretada assentada num animal bravo, e que a sua origem poderia ser muito arcaica, neolítica.
Assim toponímia de lexema golp-, como Golpilheira, além de poder estar sediada no evidente golpe "raposo", abre a porta a ser analisada como que está a indicar um local de bestas ou animais selvagens.

A interpretação do topónimo Golfas, como proveniente de *wĺ̥pos / *wĺ̥-phos / *wĺ̥-fos "a parda, o castanho, o vermelho", ajuda a interpretar "Boi Loiro" não apenas e restrito a um boi tal qual hoje percebemos, um animal bovino macho de cor alourada, e sim como uma tradução de golfas / golfo / *wĺ̥-fos "o (animal de nome tabuado) de cor parda, vermelha, neste caso loira".
Boi, protoindo-europeu *gʷṓws, poderia ter sido no passado um nome genérico para qualquer animal silvestre grande, que ficou posteriormente especializado para bovinos, e no caso dos romanços, e algumas outras famílias linguísticas, para bovinos machos.










Outro Boi Louro já foi mostrado indiretamente neste blogue no escrito "Bistulfe, os bois pardos", neste caso na freguesia de Fisteus (Cúrtis)












Neste caso a Fonte do Boi Louro em São Julião do Carvalhal (Santiago de Compostela).
A Fonte está no lado leste de uma estrutura em forma de cousso da que apenas teria ficado o seu lado oeste, hoje já tudo apagado pola concentração parcelária.





Boi Louro em Vilar de Santos.




Boi Louro de Santa Maria de Troitosende (Avanha)


Pena do Boi Louro em São Jurjo de Augas Santas (Palas de Rei).
No seu leste pode ser visto o desenho de um pequeno cousso, que leva o nome da Chousa das Raposeiras. Que depois do explicado acima, não seria um local de caça exclusivo para raposos. Talvez o atual raposo seja uma "tradução, reinterpretação" do topónimo antigo: talvez com base em golpe?
Confronte-se com, por exemplo, Golpilheiras / Golpelheiras de Santalha de Dumpim (Castro de Rei):