Fernandinho

Fernandinho é um anaco de pão, um nome aparentemente feito sobre Fernando, mas...
Fernandulhos é uma preparação culinária feita com farinha de milho, toucinho, ovos e leite que é fritada, e fica esmigalhada, em farangulhas.

No estudo da toponínimia das grandes chousas costuma aparecer o lexema fernand-, aparentemente derivado do nome Fernando:

As Fernandas em Santa Maria de Videferre (Oimbra).

Fernandanho em Santa Maria de Abadim

Fernande de Santa Maria de Castro (Narom)

La Hernanda em Tornadizos de Arévalo (Palacios de Goda). Podem ser lidos os topónimos pecuários que acompanham a outras grandes chousas neste blogue apresentadas: Polo norte Cubillos cognado de Cubela e similares que costumam dar nome a vedações arredondeadas pequenas nos extremos da chousa, Era Vieja com Eira Velha; Cuesta de la Legua faz lembrar Lagoa, que foi mais tratada neste escrito: Laũa, Murujosa e Mântaras.

Estes topónimos de raiz fernand- costumam ter a mesma distribuição, aparecendo no interior da chousa.
Sendo de esperar, à par de Fernand-, formas como Cernand- / Sernand-:

Sernande de Tálhara (Lousame), talvez uma chousa?
Sernande de São Pedro de Farnadeiros (o Corgo)

Sernande de São Fiz de Cangas (Pantom) com chamativa toponímia pecuária neste blogue explicada : Bispo.
Compila Ducange:
SERNA, Ager sepimento clausus.
Então o eido agrícola fernand-/sernand-, com sebe, anteriormente foi chousa de gando?
Estes lexemas fernand- e sernand- que poderiam significar?
Sernad no gaélico antigo significa organizar, ordenar, dispor, mas também searnadh: dissolução, separação, extensão, escarranchamento, estiramento.
Para a etimologia espanhola, senra deriva do céltico *senăra 'campo que é lavrado à parte', de *sen- "a parte" e *ăr- "arar".

A Seara de São João do Alto (Lugo).


Senra / serna / seara é, era, na Galiza, uma agra com terreos de distinta propriedade, que eram semeados, polo comum, do mesmo fruto, separados por marcos ou suqueiros. Senra é marca ou sinal, supostamente por derivação da senra agrícola, mas...
A senara é uma propriedade comunal, de uma aldeia, que é partida para a semeadura do centeio anualmente. O sistema de partição equitativa da senara entre as casas vizinhas foi conservado até o século passado, recebe o nome de faveo, por serem usadas favas nas sortes do reparto. A senara, na aba do monte, é dividida em talhos ou leiras: o talho cai longitudinalmente com a pendente, as leiras são horizontais à pendente. Em Julho, recolhido o fruto, a senara volta a ser comum.

Senares em São Pedro de Triabá (Castro de Rei), pode ser vista muita toponímia pecuária e vedatória: Vedro "sebe", Pradeira do Jardim, Cagigueira, Zarra... A destacar outra Casa Nova que com um caminho parte a antiga grande vedação.

São formas parelhas nas Astúrias: sienra, xenra, sierna, sénera, algumas partilhadas polas falas galegas orientais. Com os mesmos significados de agras e herdades, mas também como "serra" cadeia de montanhas e como sendeiro entre terras de lavoura.

Sénera faz pensar nas proparoxítonas de sufixo dativo plural: "das *senas, dos *senos", que na ideia de f=s (fernand-=sernand-) poderia ser "dos fenos".

Erva-seca, feno, се́но (séno) em russo e nas línguas eslavas.

Feno é pensado derivar de um proto-indo-europeu *dʰeh₁(y)-no- na ideia de "fecundidade".
Daí que nestas grandes chousas a sua parte mais produtiva em erva leve nomes de lexema farn- tipo Farnadeiros, Farnal...(farnar "fecundar", esfarnança "fecundidade").
Feno, tem a forma antiga fẽo, atual e infrequente feo, mas abondoso em topónimos sem ene intervocálico: Feans, Feãs ....
Feno tem parelho fano em Trás-os-Montes que liga com fanar "secar, murchar" e  também poderia ligar com fanar "cortar ao rente".
Assim o par feno/fano estaria ligado a  fenasco e ao asturiano fanascu, com fananco e fanauco a família panasco /penasco.
Este grupo do galego-português e asturiano fen-/fan- pen-/pan- poderia ter relação com a toponímia de tipo fernand- pois poderia bem ter sido fenand- do feno ou fanand- do corte, da sega da erva.
Este grupo quebra a etimologia admitida no indo-europeu para o grupo do foenum / faenum / fenum latino, o  се́но eslavo.
As formas gaélicas para o feno:
Faer, fér, fér, feuir, feúir, ḟeóir, féiuir, féor, feór, feóir, féra, fér, fergoirt, ḟéarghloin
Levam a pensar que a caída do ene intervocálico foi muto antiga.
(Um caso semelhante é com a palavra cear/ciar, que poderia ter relação com o gaélico antigo síar, atual siar, com função preposicional-adverbial "para trás na voga, ciando", onde no asturiano é dito celar o ato de recuar o carro de vacas).
No bretão foen.
No galês ffwyn "feno, erva-seca" é pensado derivar do latim foenum, mas como no caso de fano, par de feno em Trás-os-Montes, e a plurivalência de fanar "secar, cortar", no galês ffwyn também significa "cortadura, lança, espada".
A fouce foi primeiro de sega para depois virar em falcata?

Depois disto a hipóese indo-europeia para o feno, seria uma linha tal:
Onde teríamos o *pæno (pão, panasco) com o direto *fæn- (com toda a família do faenum e feno, das línguas romances)  e daí com o finês que faria ligação entre as principais línguas da Europa,. No finês a erva-seca é dita heinä, que é pensado estar relacionado com o proto-balto-eslavo  *śaina-, mas também poderia ligar com as formas do tronco germano *hæ(n-).
Confronte-se também com o asturiano ḥenu.
O proto-balto-eslavo  *śaina- / sæn-:
Eslavo: се́но (séno)
Báltico: suejnie e variantes no saami, šiẽnas no lituano.

O sânscrito com a palavra तृण (tṛ́ṇa) fica um pouco fora desta linha *pæna → *fæna → *hæna → *sæna?




Para reparar que o seio, sinus, poderia estar aqui, como lugar de produção máxima, e à vez como lugar fechado, interior (confronte-se com abadia, badia, baia).
Assim: Senriela "jardim, vergel".
Havendo então uma proximidade "neolítica" entre cerne "interior" e serna?
Aqui interfere o latim cinerata, com a palavra viva cernada como nome de terra queimada, dos sistemas das roças.
Mas também está o latim no verbo cerno cernere, "separar", que teria relação com cernir, peneirar e com cernar, cortar madeira.
E poderia haver nesta série uma ideia de cerrado, também como vedação, tapada.

Bom é para reparar que sénera liga a vedação agrária, com a senda e com a serra montanhosa.
Sediados no pastoralismo neolítico inicial de animais semi-selvagens com os seus caminhos transumantes ou trasterminantes, estes conceitos de "separação", que divergem dentro de sénera e as suas variantes, podem ser percebidos em conjunto em volta das primárias vedações de vales, aproveitando o relevo natural.

Senara de Boñar, a norte de Vozmediano. Um seio?

Sénera "das *senas", "dos *senos":
No galego enxebre, entre outros significados, seio é o espaço entre os peitos na mulher; também como nome da separação em dous, feita ao ir retirando a erva-seca do palheiro; seio também como passagem entre montanhas...

O Sem, vale entre o Monte da Pedra velha, a norte, e o Picoto de Veiga, a sul, na freguesia de Monte Agudo (Arteijo).

O que poria em relação o seio, sinus, com o rego rei, e daí todo o construto neolítico do rego territorial e do reinado; que seio, sinus e feio, foenus gerariam, com o já antedito: senra "suqueiro ou marco".

Palavras próximas a seio "reganha":
Poderia ser o mongol шан (šan) /ʃaŋ/ "sanja"?
No Tocariano B sim "limite, fronteira".
No hitita senahha : medida de proteção, muro de terra, barricada.
Ducange compila Cea como "muro, muralha, vedação". Chama a atenção a recolha com caída do ene intervocálico de um suposto étimo *sena/sinus/sem que estamos vendo.
Que a palavra-conceito hitita senahha seja compartilhada, dá-lhe uma probabilidade de poder ter uma antiguidade do 7000 aC, ou anterior.



Daria para percebermos o prefixo grego xeno- "alheio", como o separado ξένϝος (xénwos)?
Assim a Seabra seria "a separada"?
No ruso се́рна (sérna) dá nome às cabras-montesas e rebeços, numa mesma ideia que "cervo" como o separado.

Assim senex latino, sean gaélico, o proto-indo-europeu *sénos, talvez nasceriam da rainha primária, anciã da tribo?
Senex é dessas palavras latinas com sufixo -ex / -ix que foram descodificadas como arcaicos genitivos femininos, senex, seria "da *sena".
*Sena como cavidade?, cova primária?
Mámoa?, signo?
A hipotética *sena "cova" teria a ver com o grego σκηνή (skēnḗ) "tenda, barraca"?
Se assim for, esta palavra grega σκηνή (skēnḗ) faria ponte entre o indo-europeu e as línguas semíticas, com palavras como o árabe س ك ن‎ e o hebreu שכן‎ com o significado de morar.
Isto leva a pensar numa origem paleolítica da palavra, talvez do hipotético periodo linguístico proto-nostrático, uma verba relacionada com cova, ou cabana, com uma génese a semelhança de orraca.

Sern- / cern- / fern- como lexemas de separação, poderiam estar nas palavras: fernandos "migas das castanhas cozidas" ou fernadinho "anaco de pão", e nos topónimos pecuários aqui apresentados?

Recebe o nome de fernandos a planta que também é chamada farinhento, farinhão, farinhudo, farnelo ou farnento. O que ligaria fern- com far- e com farna, Podento ter sido os atuais fernandos nascidos da mesma raiz que farnentos. Neste caso o Chenopodium album, é a planta que recebe estas denominações, que mostraria no seu nome uma relação com a farinha ou com a farna.

São pois esperáveis topónimos do tipo Senande à par de Sernande e Fernande, anteriormente vistos, com a mesma tipologia de chousa:

Senande de São Cibrão de Vilastose (Mugia).

São Salvador de Serantes (Ferrol).
Ceranços de São Pedro de Joanzes (Jove), com o topónimo de chousão (-om) no seu interior.
São Fiz do Seio / Seo (Travadelo). Neste caso o seio não é proeminência, é o vale profundo. A leste de São Fiz do Seio e baixo o pico de Souto e o Faceirão está o Seio da Velha, um caborco, escrito deturpadamente como Ceodabella.
Frei Martim Sarmiento referencia Seo de Aradelo no Suído, como lugar de passagem da serra.
O Seo de São Julião de Cazás (Germade). Neste caso o seio é um local no bico de duas chousas, toponimicamente noutros lugares com nomes de redonda e outros como cubela e similares. Aqui o seio, talvez inicial rego, acabou dando nome ao seio "espaço interior".
Do mesmo jeito que vale e vala dão nome ao buraco, mas valo ou valado nomeam a proeminéncia.
Há mais lugares toponimicamente grafados com cê, "Ceo", que tenhem esta estruturação.

Agra do Ceo entre Santiago de Abade (Moeche) e São Martinho de Cerdido.
Os Ceos em São Mamede de Puga (Toém).
Seão (-ám), grafado à espanhola como Ceán, em São Amédio de Bamiro (Vimianço), um sistema complexo de chousas.

São Pedro de Cea (Vila Garcia de Arouça).
O Ceão sistema de chousas que estivo entre as freguesias de Lugo, Meilão (-ám) e Tirimol.
O Cião de São Salvador de Curujou (Irijoa), com toponímia pecuária.

Seaia, Malpica de Bergantinhos.

Santa Marinha de Seadur (Larouco), grande chousa, com toponímia pecuária e de vedação: Esteval (estiva) , Malhada, Patão (-ám)....
Xiá de São Lourenço de Carelhe (Sobrado dos Monges), talvez Xiã; grande chousa, a destacar: Casa Nova que como noutros lugares parte a chousa com um caminho transversal a ela e refai-na.Jj
O bico da chousa com o nome de Picha, lugar que neste tipo de chousas é onde se observa mais "erosão" e modificações, se quadra por ser o lugar de maior debilidade da estrutura. 
Cee com toponínima pecuária. Foi chamada Vila de Ceia (villas de Ceia in Nemancis), Pode ser percebida a grande chousa. Por razões de colonialismo cultural o topónimo Reises (reis) é grafado como Raices ou Reices, Dovesa corresponde a Devesa.


Segundo esta hipótese apresentada aqui, que poderia ter havido um lexema paleolítico-neolítico *sena "cova", com variantes *cena, *fena: seria de esperar que vena "veia" tivesse uma similar origem, assim o veio primário seria o regueirinho de água, e daí a veia sanguínea?
Salientar que, entre outros significados de veia e veio, está o de ramagem, ou varas horizontais que formam a sebe; este processo de contrução de uma sebe, trançando ramagem entre estacas, é chamado de envear. Também ramos que se disponhem sobre os palheiros para lhes dar consiténcia e evitar que o vento levante são chamados de veas.

Rio Vea no concelho da Estrada, a dar nome a qutro freguesias, Santa Cristina, São Jurjo, São Jião e Santo André.

Veão (-ám) em Santa Maria do Temple (Cambre).

Isto poderia abrir uma porta à inconclusa etimologia das aveias?


Bernadal em Carvalho (Friol).




A confrontar *sena com o céltico gaulês gena e latim gena "boca" do protoindo-europeu *ǵénu-, *ǵénus. Também com o protoindo-europeu *gʷḗn "mulher", grego clássico γυνή (gunḗ), "mulher".


Veiga do Seu/Veiga do Seo
Seo no Ducange como lacuna "buraco, foxo, cavidade, fenda, vala".
Tambaraceo (Los Argüeyes). nome de uma fonte. De onde Tambara-ceo, tamb-ara (genitivo plural) das *tambas e ceo por Seo no Ducange: "Lacuna das *tambas". Na ideia de lacus buraco, ou Seo de Ducange o mesmo que rego, canal, aqui esculcado.

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