Abucide é uma aldeia na freguesia de Santa Maria da Capela, sob o concelho de Toques.
Abucide na etimologia mais divulgada é tido por topónimo de raiz árabe ou moçárabe em teses e outros estudos universitários, como derivado de uma possuidor de nome Abud Said ou Abud Sidi.
Aqui vai ser apresentada outra raiz, baseada no terreno, que conheço e ando, usando das ferramentas acostumadas de este blogue. Quer dizer, a toponímia, a meu ver, nos mais dos casos estaria ligada à topografia ou ligada a algo. A toponímia clássica está desligada de tudo, atende sim a etimologias mas usa dos preconceitos e dos paradigmas mais difundidos para ligar o topónimo com o étimo apenas usando razões do mundo das ideias e renegando a materialidade.
Numa primeira aproximação é facilmente identificável o cousso evolucionado a granja neolítica, na simetria das suas paredes, por onde corre o caminho perimetral fazendo o limite
Também é possível observarmos as tantas modificações da estrutura multimilenar, desde um cousso menor de caça até um cousso maior passando a diferentes tamanhos de uma grande tapada para animais em semi-domesticação:
Abucide, poderia ter uma raiz aparentada com o latim buca/bucca "boca" ou com o proto-céltico *bussus para Matasović "lábio", mas que poderia ter outro significado, ao confrontar com palavras galegas como busso "boca de peixe, buraco, búcio molusco". E confrontar com o gaélico escocês bus "boca, lábio, focinho, bochechas, morro de cavalo; palavra jocosa para a boca beiçuda, beijo; pôr beicinho de raiva". Também com o irlandês pus "boca protuberante, focinho, expressão de desagrado, morros, beicinho".
Que a boca do peixe tenha o nome específico de busso faz pensar na entrada de uma camada idiomática nova, onde a palavra antiga fica para dar nome àquilo inferiorizado e a palavra nova acaba por dar nome àquilo considerado de mais rango (os pares lula calamar ou melocotão pêxego).
Então não seria hipótese sem alicerces que no galaico prévio à colonização romana, a boca tivesse o nome de busso; a confrontar com buço "bigode adolescente, pilosidade labial das mulheres"; e à vez com boceta/buceta "vulva", mas que partido do proto-céltico aqui proposto busso / *bussus "boca" mais abrangente que o matasovicano único como "lábio" (confrontem-se os significados gaélicos de bus) a buceta/boceta seria algo assim como "a boquinha".
Bom aqui interferem as palavras de lexema bux- que andam em volta de caixa, com o latim buxis buxidis "caixa", mas também pyxis pyxidis "pequena caixa" com o grego no mesmo significado πῠξῐ́ς (puxís).
A etimologia das caixas e espaços de raiz bux- é pensado derivarem do arbusto buxo, e dai do protoindo-europeu matagal *bʰuH- (bush, inglês).
Ora, a relação do buraco, caixa, boca com o topónimo Abucide, semelha estar mais próxima do céltico *bussus, galaico busso "buraco, boca do peixe ( hipoteticamente a boca geral)" do que do latim buxidis "da caixa". Mas seja uma ou outra a raiz, condiz com a sua funcionalidade no cousso e desbotaria a elucubração moçárabe.
Para esclarecer este barulho de boca, lábio, caixa, no gaélico escocês existem todas estas palavras para dizerem "caixa": bocsa, bocas, bogsa, bòstan, bucas.
Também há que pôr aqui o sânscrito भूक (bhuuka) "buraco".
O asturiano bozu: focinho de vaca, boço ou cabeceiro, correias para atar a cabeça do cavalo, boço ou açaime.
Abucide poderia ser um genitivo de (a)*bussido, do *bussido, sendo busso sufixado com -ido / -itus, tipo codesso: Codessido / codessedo, ou ameijoar: Ameijido / Ameijedo. Seria um adjetivo em genitivo com base em busso "boca, buraco", latinizado algo assim como *boquide.
O topónimo mais próximo na Galiza a Abucide poderia ser Buxide, em São Mamede de Riba d'Ulha (Vedra):
Com esta hipótese de conformação, uma tapada ou cousso envolvendo um regueiro, deixando a palavra hipótese muito marcada, pois a zona estivo alterada por um sistema de agras e nestes últimos tempos pola concentração parcelária.
Vai ser analisada a microtoponímia do cousso, tapada de Abucide:
Começando de Oeste a Leste:
Tem o nome de Formiguel a ponta do beco da estrutura no seu tamanho maior, como lugar de formigas, talvez por ser lugar onde se juntava a manada de animais caçados, ou toda a cabana de animais semi-domesticados, um lugar de formigueio, mas também entrariam as raízes de forma?
A Sabuga foi alargadamente analisada no escrito "Sabuzedo", onde se escreve:
Uma hipótese para perceber melhor a origem e funcionalidade neolítica da palavra-conceito, poderia vir polo sânscrito सभा (sabhā):
Assembleia, congregação, reunião, conselho, audiência pública.
Associação, sociedade.
Lugar para reuniões públicas, grande sala de reunião ou salão, palácio, corte de um rei ou de justiça, câmara do conselho, casa de jogo.
Casa para hospedagem, hospedagem de viajantes.
No lado basco:
A relação entre o sabugo vegetal e o curral é mais evidente?, semelha que sim.
Sabai / sapai / zapai: curro para o gando, celeiro, palhar, lugar para guardar o feno, sobrado; além doutros significados como tabuado que faz o teto.
Sabika, sabiko: sabugo.
No basco a sufixação -ko é locativa, bilboko "de Bilbau". Com as possibilidades de ser -ka, -(i)ka -(i)ko, sabiko do sab-.
Zabai: tabuado.
Pola linha gaélica:
Saball: recinto agrícola, estábulo, edificação agrícola de diversos usos. A etimologia gaélica faz derivar esta palavra de zabulum no latim medieval da Irlanda, por sua vez derivada de stabulum, mas vistos os vistos antes do que derivada uma da outra poderiam ser cognatas.
Saball, poderia ser percebido como sab- + -al, sebal?, da sebe?
Outras escritas antigas da palavra são sabull, tsabuill, t[sh]abaill...
Sàbhail no gaélico escocês tem os significados de salvação, proteção, resgate, defesa, seguridade, economia, poupança, frugalidade.
Sabh é relacionado com samh: curral para ovelhas.
Sàbh: untura; saliva; tranca de uma porta.
"Há que lembrar que na Irlanda um senhor do gando em relativa vassalagem a senhores mais poderosos recebia o nome de bóaire: aire, ário dos bois, ("aro dos bois") amo ou senhor de gando, tinha as vacas em propriedade mas o território era de um senhor superior flaith.
Um tipo de bóaire era o brugaid, ou briugu, pessoa encarregada de dar pousada e alimento a quem passasse, de gerir uma hospedagem, obrigado a dar de comer ao seu senhor".
Briugu gaélico que tem o seu par bretão bugul "pastor pegoreiro".
Estamos nestes lugares sab-, diante duma casa dum briugu?
Chousa é um topónimo transparente.
Zancão: recebe este nome como zanca grande, uma zanca é um lugar onde um rio pode ser azancado, achancado, acanchado, cruzado.
Nesta parte superior podem ser observadas distintas etapas do cousso, em diferentes corres.
Assim de oeste a leste:
O chamado Castro ou Aurela, também Orela. Para ser um castro ou briga está num lugar chão de difícil defesa, é um curro circular do que ainda restam os altos valos, o curro sim semelha um castro. Mas o nome relevante é o de aurela, que leva a pensar na aurícula, como uma orelha uma semi-circunferência, então mais parece um castro pecuário que deveu funcionar em alguma etapa pré-histórica.
Aurela que poderia ter a ver com a raiz do latim auris "orelha" e com o proto-céltico *ausos com o mesmo significado.
Esta é a Aurela de Santo Estevo de Vila Mor (Toques) também dando nome a um castro.
Isto explica o topónimo controverso oficializado como a Orela de Ombre (Ponte d'Eume), como uma deformação da Aurela (assim é dito na minha família):
Então "a Aurela" é uma estrutura em circunferência que faz as vezes de curro no beco de uma forma de cousso; mesmo no mapa LiDAR ou de sombreado pode ser observado o curro circular.
Isto poderia ligar a aurícula com a aura, o círculo de luz?
(A destacar o nome de Formigueiro confrontado com Formiguel).
Voltando a Abucide:
Voltando a toponímia menor de Abucide:
Boca da Leira: como entrada, ou também como funil de ameijoar gado em uma das evoluções da estrutura.
Ao lado de Boca da leira: Fonte Cabana, que sim pode ser uma fonte uma nascente mas que poderia estar na ideia protoindo-europeia de fonte, como fluir, correr, onde corre a cabana, sendo cabana o grupo de animais.
Debaixo do Muro e Pereiro já indicam uma vedação , a boca de entrada teria sido fechada por um muro, e por pedras "pera" em galego medieval, daí o nome de Pereiro.
Xesteda, poderia ser escrito como Gesteda, lugar de gestas, mas fica na dúvida de ser Sesteda com variação, lugar onde sesteia o gado.
Escalinha, seria uma escala pequena, talvez um valo.
Prado de Varela, poderia ser um prado de uma família chamada de Varela. Neste blogue já foram analisados os topónimos Varela, chegando a conclusão de ter a ver com vara na sua duplicidade de "estaca" e "grupo de animais".
Pena Avieira ou Pena a Vieira: vieira por ser um lugar de vias, de caminhos, ou avieira por ter a ver com aveeira, como aveias? Ou ainda mais aviar é bulir.
O nome de As Antigas, também é pronunciado As Santigas, leva a uma ideia de ser um lugar antigo, por formar parte do cousso anterior ao posteriormente agrandado, ou ter a ver com anta, no seu diminutivo *antica. O nome de Anta e Santa e similares costuma aparecer na ponta do beco de caça, por ser o lugar de maior desgaste haveria um muro de antas, e não um valo de terrões.
A ponta do beco leste tem toponímia transparente da sua funcionalidade:
Cruz, dando nome à ponta do beco superior, modificado no tempo como o beco inferior dos Curros.
Terroeira, nos becos costuma aparecer nomes com base em terra, terrão, terreiro, terreo, terroeira neste caso, com um lugar onde não haveria erva pola passagem continuada de gado.
Quenlho como uma das variantes para dizer canle, canal, via por onde os animais são conduzidos até o fundo do funil.
Cova, como lugar do vale profundo, ou mesmo como lugar onde poderia hver uma cova para captura de animais.
Tranca como lugar para vedar o passo.
Já Pena Aguda como ponto final da estrutura de caça, ou granja neolítica.
Por último a toponímia da parte central, por onde entraria a manada a caçar, nomes todos na volta da aldeia da Morcigueira, Morcegueira, ou Murcigueira:
Carregal, Bulho Redondo, Branhas, Branhão, estão a dar a mesma ideia, um lugar branhento, de tremedal.
Então Morcigueira poderia ser ligado como os topónimos de lugares de terreo mole de base em murc-, múrcio.
Na Morcigueria está a Casa de Cousso. Que faria pensar em pessoas de apelido Cousso que foram viver para ela, mas a casa poderia estar a receber o nome do conjunto:
(Um caso similar onde há uma Casa de Cousso, foi apresentado no escrito Livioi e Livoi)
Continuando:
Prado da Porta: como indicando o lugar de entrada à grande estrutura.
Prado Verde, pode estar a dar uma ideia de verdor contínuo, mesmo no estio, mas também lembra os Verdes toponímicos aqui já analisados "Verde? A tapada", ressumidamente:
Verde, poderia ter a ver ou com o galês e córnico perth / berth, espinho, de um proto-céltico *ku̯erku̯-t-, (indo-europeu *perkwus "carvalho") com o gaélico antigo ceirt; que tenhem a ver com o latim quercus, no celta p e celta q esta palavra de vedação teria um protoindo-europeu *perku̯u e indo mais atrás a um anterior celta-p e celta-q: *ɸert, que ligaria com vert- diretamente ou com *wert-.
Perth tem os significados de arbusto, espinheiro, sebe, mato, moita, bosque, matagal, campo rural.
Esmerigo: é algo controverso poderia estar no grupo de toponimos de Esmoriz / Esmoris ou Esmelhe. Com uma base em esmo ou esma, topónimos deste grupo, dos que fora esboçada a ideia no escrito do "Algumas vilas velhas", como variações de ermo.
Este Esmerigo tem o caminho que a ele vai dar, o caminho central da grande tapada com o nome de O Caminho do Esmerigo, e também uma chousa como Chousa do Esmerigo.
Esta ideia já foi apresentada em distintos escritos do blogue onde foram tratados topónimos do grupo armentum, ermida:
A divindade Hermes é decodificada como o h₂ermn̥-ez, o do lugar da reunião, o reunidor, neste caso do gado, daí a lenda do roubo de gado e posterior condição de pastor da tal divindade.
Agora é doadamente entendível que é no lugar ermo onde a armada, o cousso de caça passiva, é construído. Então poderia dar-se o caso de haver um deslocamento léxico de armada a ermada, de espaço de caça passiva com cousso a espaço desabitado.
Topónimos de base ermo ou hermo teriam a ver com antigos locais de caça do paleolítico e da sua continuidade até um hoje alargado, que antes de pensar somente em um eremitório, que também, teriam a ver com a raiz que gera em ambivalência hermético e armentio.
Não por acaso Hermes é a divindade do rebanho.
Também aqui está a grega ἕρμα (herma) inicialmente um amilhadoiro (ἑρμαῖα o ἑρμεῖα, ἑρμαῖοι λόφοι e ἕρμακες) para depois ser um piar, um marco com cabeça do deus mentado e com genitais masculinos no fuste.
Então armentum seria descodificado como o lugar onde é, onde acontece, a ação de *h₂er- "reunir".
Então daria para confrontar este Esmerigo com Esmelhe, talvez um primário Ermelhe:
Esmelhe de São João de Esmelhe (Ferrol).
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