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De Videferre e de Fedepedro

 No escrito vai ser lançada uma hipótese que liga diferentes nomes do gado menor, cabrum e ovino, em distintos ramos do indo-europeu, germânico, céltico, itálico, sânscrito, que a etimologia mais divulgada dá por isolados ou não relacionados entre si, para isto analisam-se os topónimos Videferre e Fedepedro, e sedia-se a hipótese no pastoralismo inicial que deixou na paisagem a marca territorial de grandes tapadas, nas quais a toponímia é condizente com a funcionalidade particular dessa zona da tapada.
Toponímia da tapada e funcionalidade que mostrando essa coerência, fala-nos de duas continuidades, continuidade espacial no território indo-europeu e continuidade civilizacional, populacional, no tempo, desde como mínimo o neolítico até hoje.



Videferre (Santa Maria) no concelho de Oimbra.
Tem-se interpretado como um antigo latim vitis ferre, mas não acho documentação nenhuma que o confirme.



O topónimo com base em vide, e vide, mesmo aparece nas hipotéticas estruturas de caça, coussos, e nas também hipotéticas grandes tapadas neolíticas.
Vide, videira e similares são interpretados como fitotopónimos da vitis latina, mas nalguns casos de toponímia de base vid-, como vidueiros e semelhantes, (também fitotopónimos de vido) já se têm mostrado como possíveis evoluções de toponímia baseada em vitulus / vitellus "vitelo".
Morfologicamente, vitulus / vitellus são diminutivos criados sobre uma palavra latina que poderia ser vita "vida", ou uma palavra ancestral latina vit- não documentada, que seria cognada das germânicas:
no gótico: vithrus,
no norueguês antigo: veðr,
no sueco antigo: withar,
no anglo-saxom: vether.
no antigo alto alemão: vidar.
no novo alto alemão: widder.
Com o significado geral de carneiro, ou carneiro castrado.
Esta raiz germânica *weþruz, a etimologia mais divulgada  tem-na relacionado com o tempo, do protoindo-europeu *wet- "ano, de um ano de idade", anelhos, anelos, anolhos, anacos, anejos, animais de um ano de idade.
A este grupo etimológico pertenceria vidente, palavra hoje de pouco uso, com o significado de "carneiro ou ovelha".
O fedelho, o inquieto, tem um significado pouco usado de "animal inteiro, macho não castrado", que condiz com a ideia de que o adjetivo nasce sobre um substantivo. Mas também fedelho significa incensário.
Esta palavra fedelho liga: o animal inteiro não castrado, com a inquietação e com o cheiro, com o fedor.
O que levaria a pensar no bode e no seu costume de urinar sobre si, na face mesmo, para cheirar e atrair as cabras no cio.



Este elo ajudaria a perceber a origem do latim foedus "imundo, repugnante; infame, vergonhoso; destrutivo"; origem que ficaria desligada do fumo, como afirma a etimologia mais divulgada, e sediaria foedus no bode, fedelho, fedorento, no fedus latino.
Fedus é nome para o cabrito em latim, considerada palavra emprestada do sabino.
Fedus, hedus, haedus, hoedusaedus, ēdus, todas elas com o mesmo significado, poderiam ser realizaçõesdo protoindo-europeu *wetus / *witus "anelho, de um ano" (e a meu ver: carneiro, bode) na península itálica, na língua latina e nas da sua família próxima.
Isto também contradiz a etimologia mais divulgada de haedus, que é quase considerada órfã, ligando-a com o proto-semítico.
Pela banda céltica há a palavra gaélica da Escócia beadagan "impertinente, insolente, petulante ou frívolo. Contador de histórias. Poema travesso. Carneiro jovem. Originalmente um cordeiro reprodutor com cerca de seis meses de idade, pois nessa idade ele demonstrava grande interesse em cobrir as ovelhas. Rapazes adolescentes inclinados a ter relações carnais com mulheres são chamados de beadagan nas Ilhas Ocidentais. Garoto da rua".
Beadagan está no gaélico com este pequeno elo substantival, no carneiro novo, mas nas palavras da sua família a maior parte são qualificativos, por exemplo beadag "mulher nova sedutora". Palavras com "menor sufixação" de esta família: beadas significa "impudência" e bead "astúcia, lisonja, engano".
Aqui aparece também o sânscrito com a palavra भेड( bheḍa) / भेड्र   (bheḍra) que têm o significado "carneiro".
Estas palavras beadagan  e भेड( bheḍa) estariam no grupo de bode, com parentes no danês bede "carneiro castrado" ou no baixo alemão médio böten


Então esta paisagem neolítica:

Mostraria uma grande tapada que teria dous lugares de refúgio, de guarda, de captura, dous curros posteriores aos vértices ou becos, a leste Lama Redonda e a oeste Videferre.

O segundo lexema de Videferre, -ferre, faria pensar no ferro; casos similares já se têm analisado na toponímia associada a coussos e tapadas neste blogue, onde lugares de nome com raiz ferr- poderiam estar a ocultar a ideia de encerro, cerre, cerro, na frequente variação dos fonemas /f/ ⇆ /θ/ (cerralheiro ⇆ ferralheiro).

Então este vide-ferre seria o lugar de encerramento dos *witus, dos animais semi-domesticados, o local onde acurrar o rebanho semi-selvagem.





Fedepedro em São Miguel de Orga (Cela Nova), a fazer parte de uma hipotética grande tapada, estrutura similar à anterior de Videferre.
Par a Fedepedro está o Tourinho do Campo. Tourinho pode ser percebido como touro pequeno ou como  "do touro", com a mesma ideia subjazente que pode ser achada na palavra toural, e do mesmo modo que marinho significa "do mar".

Neste caso de Fedepedro, o nome parece formado por dous lexemas fede-pedro.
O primeiro, fede-, poderia ter a mesma origem que o vide- de Videferre, de um hipotético protoindo-europeu *witus "anelho, carneiro", como o fedus latino "cabrito".
Mas também este local ajuda a perceber a duplicidade no latim de foedus, o já comentado "imundo" mas o foedus "liga, união; pato, aliança; matrimónio".
No lugar de Fedepedro ocorreria a união, o ajuntamento dos animais que estariam encerrados na grande tapada.
Ora, também este local de Fedepedro ajuda a perceber a génese da palavra feudo que a etimologia clássica referencia exclusivamente no hipotético frâncico *fehu "gado, propriedade, propriedade, taxa", podendo observar que a paisagem de esta tapada dá uma base física ao deslocamento de significados da ancestral palavra do protoindo-europeu *wetus / *witus. Como a raiz germánica *fehu desenvolveu um -d- no latim foedus feudus medieval?
Seja como for há uma abstração do significado de gado para o significado de propriedade, que é frequente nas línguas indo-europeias.
A hipótese aqui proposta é que o conceito fedus foedus "gado" virou em foedus feudus "propriedade".
Isto seria uma transformação paralela ao já apresentado neste blogue (Ovelha como nome secundário):

Aedes, aedis em latim (eido galego, eiddo galês) teria relação com aedus, edus, haedus, hoedus  "cabrito" no mesmo latim. Então o eido primário latino aedis seria uma forma dativa ou ablativa de aedus, com o significado de  "para o cabrito, do cabrito".
Isto poderia ser corroborado polo sânscrito onde ovelha tem os nomes de एडी (eḍī),  एडका (eḍaka) e ऐडक (aiḍaka).
Por exemplo no sámi uma palavra para a barreira, para o valo é áidi. Que estaria em relação com o eido galaico e o eiddo galês; explicado do seguinte modo: o muro áidi encerra um lugar privativo, um eido; dentro de esse lugar privativo está um animal aedus / haedus que é propriedade de alguém e portanto não pode ser caçado, matado, por outros.
Estaríamos em uma estrutura primária ancestral (pola possível relação nostrática entre eido indo-europeu e áidi urálico) que tem cativos animais em propriedade.


Quanto ao segundo lexema de Fedepedro, -pedro, poderia a estar a significar que o valo de encerramento do rebanho é de pedra, confronte-se com toponimos tipo Pontepedra (ponte de pedra).

O caso da Armucela

 A Armucela é um lugar da freguesia de São Pedro de Borrifães (Borrifáns) que tem esta estrutura:





Poderia ser o caso de um cousso evolucionado, de morte a captura em vivo.


Esta ideia a apresentar sobre a origem da Armucela já apareceu em distintos escritos de este blogue, onde foram tratados topónimos do grupo armentum, ermida ....

O deus Hermes é decodificado como o *h₂ermn̥-ez "o do lugar da reunião, o reunidor", neste caso do gado, daí a lenda do roubo de gado e a condição de pastor da tal divindade.

Topónimos relevantes como Armental ou Hermida / Ermida (onde não há memória nem restos de ermida cristã nenhuma) são descifrados aqui referenciados ao cousso. Assim:

Hermida é pensado ter a origem no grego ἐρημίτης (erēmítēs) com raiz em ἐρῆμος (erêmos) "soidade".
E alguns lugares de esta toponímia apresentam indubitavelmente uma construção religiosa.
Nalguns casos de toponímia Hermida / Ermida, sem capela cristã ou restos dela, aparece a estrutura de um cousso, mais teria a ver com a ideia de hermético, fechado, com base na raiz que gera no grego antigo  ἕρμα (hérma), “pilha, montão de pedras, milhadoiro; coluna, piar”.
Daí que  ἕρμα (herma) inicialmente um amilhadoiro (ἑρμαῖα o ἑρμεῖα, ἑρμαῖοι λόφοι e ἕρμακες) para depois ser um piar, um marco com cabeça do deus mentado, Hermes, e com genitais masculinos no fuste.

Amilhadoiro no beco oeste de uma possível estrutura de captura, caça, em Teixidelo de Régua (Cedeira).

Assim alguns topónimos de base ermo ou hermo teriam a ver com antigos locais de caça, que antes de pensar somente num eremitório religioso cristão, que também, poderiam ter a ver com a raiz que gerou em ambivalência hermético e armentio.

Armucela, teria a raiz no mesmo que gerou no latim armentum "rebanho de vacas".
A etimologia protoindo-europeia proposta para armentum seria a união dos lexemas *h₂er- + *-mn̥ + *-teh₂.
Onde *h₂er- teria o significado de unir; *-mn̥ daria a ideia de ação; este lexema protoindo-europeu ou mesmo anterior: *-mn̥, daria no grego -μα, no latim -mentum, no galês -ma  "lugar, estado ou ação", no galego talvez o sufixo átono -mo (êdramo, lêgamo...,) como lugar ou como aumentativo; nas línguas fino-permianas (urálicas) da que procede o sámi *-men com a ideia de lugar; segundo isto descodificado desde o galego topónimos de base ermo / hermo seriam "o lugar do her-, er-, lugar da reunião".
Já o lexema final de *h₂ermn̥teh₂: *-teh₂: indicaria um estado de ser.

Então armentum poderia ser descodificado como "aquilo que está no lugar onde acontece a reunião".

Segundo isto: Armucela poderia ser decodificada como *h₂er- + *-mn̥ + *-keh₂ e um diminutivo -ela, "aquilo que é pertencente ao lugar de reunião".



A hipótese sobre a Armucela seria que uma construção, inicialmente para caça, teria sido transformada com um grande curro para animais em semi-domesticação num dos seus becos.

Sobre Pardinheiro:
Pardo poderia estar a dar nome à cor, e dai nomear o animal tabuado.
Pardo tem uma etimologia protoindo-europeia que o relaciona com o nome do leopardo em línguas da Índia e Pérsia. No persa پارس  (pârs) é o nome do guepardo treinado "domesticado" para a caça. Confronte-se com o francês pard "lince" e com o galego pardinho "lobo".

O caso do pio-pardo ou bios-bardos, como gambuzino, animal fantástico a caçar, pode ajudar a perceber o significado alargado ou ancestral de pardo:
O primeiro lexema bios- / pio poderia ter a ver com o proto-céltico *biwos, "ser vivo, ser mortal".
Bios-bardos e pio-pardo estariam a significar "ser vivo de cor parda" ou "ser vivo que pode ser caçado"? No mesmo processo que hoje vivemos com a deslocação do significado de palavras em galego frente ao castelhano (cheirar versus 
oler, lura versus calamar, pêssego versus melocotão) a expressão céltica teria ficado "inferiorizada" de animal de caça a animal imaginário usado em mofas.

No sânscrito a palavra परिधायक  (paridhaayaka) "cerca", está formada por Parī (परी) que vem sendo da mesma raiz que o prefixo latino peri- "em volta, em derredor, rodear, circunvalar":
Interpretando assim pardo, como par-/bar- + -do/-to "quem anda em derredor, que está rodeando, rondante" (como o urso) que explica o nome dos animais predadores do grupo do leopardo das línguas indo-iranianas, o pard "lince" francês, e o pardinho galego, ou o urso-pardo.
A presença do -b-  em bios-bardos, poderia ser por uma transformação do *bio-pardo inicial, ou poderia estar a dar uma ligação entre pardo e bardo no seu sentido de lugar bardado, sebe, estacada, chanta, numa ideia de "animal da barda, animal do lugar da caça".
No gaélico escocês 
bàrd "dique, sebe, cerca, terreno cercado, guarnição, corporação".
No asturiano 
barda além de ter esta ideia de tapume ou sebe, também é nome para a cor amarela brilhante.
Pardelha "rede de malha estreita".
E uma pardinha é uma chousa fechada, um couto ou devesa.
Isto leva a abrir a hipótese da toponímia "clássica" galega, que associa estes nomes de lugares com base em  pard-, tipo pardinhas ou pardinheiro, com paredes, por elisão par(e)de; e poder considerar que poderiam ter a ver com arcaicas bardas.

Conclusão:
A hipótese apresentada sobre a Armucela situa-a numa possível grande armada de caça, o que ajudaria a perceber a sua origem etimológica ligada à raiz que teria gerado armada (no significado de armadilha) armentio ...
Também isto situaria a sua "fundação" num tempo recuado da pré-história,.
Mostraria a continuidade que teria ocorrido desde os primórdios da caça passiva em coussos, até a sua transformação em lugares onde teria ido acontecendo a transformação de animais selvagens em semi-domesticados, e daí até a atualidade, com as partições posteriores do espaço, já inecessário para capturar ou acurrar rebanhos, conservando os seus caminhos perimetrais, e restos dos valos milenares.